Aposentadoria aos 55? No Brasil, tem
Governo desistiu da reforma que iria aumentar a idade mínima para as pessoas se aposentarem, mas País terá de enfrentar o problema
Em quase todo o mundo, trabalhadores têm dificuldade até em imaginar o que é aposentarse aos 55 anos e continuar ganhando 70% do último salário até o fim da vida. No Brasil, porém, essa tem sido a norma há décadas, o que ajuda a explicar o grande número de cabeças grisalhas que corriam na Praia de Copacabana às 11 horas de um dia de semana recente.
O sistema também responde por um terço dos gastos governamentais brasileiros e contribuiu para o déficit orçamentário recorde de 2016.
Analistas e políticos de todas as tendências há muito admitem que esse modelo de aposentadoria, além de insustentável, é um dos principais fatores dos incessantes problemas econômicos do país.
“O Brasil tem um dos mais generosos sistemas previdenciários do mundo”, disse Chris Garman, diretor-gerente do Eurasia Group, uma consultoria de risco político, “e sem uma revisão das pensões caminha para a insolvência e para uma crise de dívida”.
Um estridente sinal de alerta foi ouvido no mês passado quando a Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil, a maior economia da América Latina, colocando-a ainda mais baixo no chamado “território junk”, ou seja, abaixo do grau de investimento. O rebaixamento ocorreu em meio a difusas esperanças de que o Congresso brasileiro iria reformar o sistema previdenciário neste ano eleitoral.
A agência de classificação estava certa. O presidente Michel Temer e o Congresso desistiram oficialmente de tentar passar a lei de aposentadoria – empurrando o problema para depois da eleição de outubro.
Na sexta-feira, a Fitch Ratings acompanhou a S&P e também rebaixou a nota de crédito brasileira. Temer anunciou a reforma previdenciária como uma de suas principais bandeiras ao assumir o governo, depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Mas, sua presidência, em lugar de impulsionar o que Temer chamou de agenda pró-negócios, tem sido marcada por turbulências e escândalos.
O governo Temer trabalhou com o Congresso por uma revisão da legislação previdenciária tanto para o setor público quanto para o privado. Entre outras mudanças, a proposta estabelecia idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Hoje, não há idade mínima.
Temer tentou conquistar apoio para a proposta com um simples e sombrio alerta veiculado nos sites do governo e na mídia social advertindo: “Todos com a reforma da Previdência para que o Brasil não vá à falência”. Mas, a pesar da declarada determinação do presidente, uma decisão que ele tomou neste mês bloqueou efetivamente qualquer nova tentativa de aprovar a reforma.
Temer assinou decreto que põe as Forças Armadas a cargo da segurança pública no Rio para conter a violência criminosa – e, pela Constituição, o Parlamento não pode fazer mudanças constitucionais abrangentes durante intervenções militares.
Temer inicialmente insistiu em que a revisão previdenciária poderia ser feita com a suspensão temporária da intervenção. Entretanto, o alerta pessimista sobre a falência do País desapareceu dos sites do governo na semana passada e tanto o presidente do Senado, Eunício Oliveira, quanto o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marum, têm dito desde então que o decreto foi engavetado.
“Após consultas e discussões com ministros do Supremo Tribunal Federal, a conclusão é de que a reforma está suspensa em consequência do decreto de intervenção”, disse Marum a jornalistas na semana passada.
A opinião do Supremo não foi o único fator negativo. “Não temos os votos para aprovar a reforma – e não posso garantir ao governo que os teremos até o fim de fevereiro”, disse Marum.
Caixão. Mesmo alguns adeptos de Temer disseram que ele assinou o decreto de intervenção em parte para evitar uma embaraçosa derrota no Congresso. “Foi uma desculpa para evitar a votação – o último prego no caixão da reforma da Previdência”, disse o deputado Alex Canziani, da coalizão governista.
O momento dos debates sobre a reforma não poderia ser pior para os apoiadores da revisão. Com eleições em outubro, poucos parlamentares estão dispostos a dizer aos eleitores que eles terão de trabalhar por mais tempo e ganhar menos na aposentadoria.
Vender essa ideia para o eleitorado é particularmente difícil considerando-se quanto a elite política está impopular em meio a uma avalanche de escândalos e do crescente escrutínio sobre altos salários e generosas mordomias que desfrutam parlamentares e outros funcionários federais.
“Não vai decolar porque os eleitores estão com raiva dos políticos”, disse Garman, o consultor. Segundo ele, a reação do eleitor é de ultraje: “Vocês estão nos roubando e ainda esperam que trabalhemos mais?”
Elisabete Lopes Santos, aposentada de 57 anos, concorda. “Se todos contribuem para o sistema de aposentadorias, como é que ele pode estar quebrado? Estão desviando dinheiro.”
Protestos. Os brasileiros foram às ruas canalizar sua ira não apenas em protestos e greves, mas também em desfiles de carnaval. Grupos sindicais puseram a seguinte letra num samba: “Senhor congressista, senhor senador, cuidado: vejam a rebelião. Quem votar pela reforma de Temer não se reelegerá.”
No Brasil, os homens se aposentam em média aos 56 anos e as mulheres aos 53, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que concluiu que o sistema é insustentável.
Quanto mais tempo a pessoa trabalhar, mais vai ganhar na aposentadoria. Os aposentados recebem em média 70% do último salário e a pensão está indexada a um salário mínimo que sobe constantemente. Quando o aposentado morre, viúvas e viúvos podem herdar a aposentadoria total do cônjuge e somá-la à própria aposentadoria.
Os gastos com aposentadoria no Brasil subiram para 8,2% do PIB em 2016, de 4,6% em 2014. A população é jovem em comparação à média mundial e a conta da aposentadoria pode chegar a 17% do PIB em 2060 se as regras não forem mudadas.
A Câmara dos Deputados vem diluindo o alcance das reformas propostas e atrasando a votação na esperança de que mais facções políticas se juntem ao governo. Mas as últimas contagens mostraram que o governo está pelo menos 40 votos abaixo da maioria de dois terços necessária para a aprovação.