Por que a morte do espião interessa a Putin
A pacata Salisbury é dominada por uma bela catedral gótica primitiva, que guarda a cópia mais bem preservada da Magna Carta, de João Sem Terra. No século 19, o escritor Anthony Trollope se inspirou naquele cenário bucólico para ambientar seus romances. Agora, Salisbury deverá ser invadida por uma horda de peritos da Organização para a Proibição de Armas Químicas, encarregados de investigar o envenenamento do espião Serguei Skripal e de sua filha, Yulia, com o agente nervoso Novichok, desenvolvido e produzido na União Soviética.
Levou oito anos até o governo do Reino Unido autorizar uma investigação sobre o assassinato de Alexander Litvinenko, o espião russo envenenado com polônio, em 2006. Concluída em 2016, ela constatou que o crime foi, provavelmente, “aprovado” pelo presidente Vladimir Putin. Desde Litvinenko, pelo menos 14 assassinatos em solo britânico foram atribuídos à ação do Kremlin. Desta vez, a reação da premiê, Theresa May, foi mais rápida, embora insuficiente – ela não congelou os ativos suspeitos mantidos por oligarcas russos no Reino Unido.
Que motivo teria Putin, às vésperas de uma eleição em que sua vitória é dada como certa, para autorizar um envenenamento que certamente seria ligado a ele? Pela lógica peculiar do governo russo, uma mistura de princípios da máfia e da KGB, as negativas diplomáticas e mentiras protocolares fazem parte do teatro externo.
O essencial é que todos os russos saibam quem foi – daí os vestígios óbvios. O objetivo é mostrar que um “traidor” como Skripal não está a salvo nem no bucólico interior britânico, nem que tenha sido extraditado como parte de um acordo, nem que não tenha mais nenhum segredo a revelar. Traiu, não há perdão. O eleitor nacionalista aplaude.