O Estado de S. Paulo

‘GOVERNO VIROU GESTOR DE FOLHA DE PAGAMENTO’

Economista critica ‘intervenci­onismo truculento’ de Bolsonaro e diz que Marina precisa de um vice experiente

- Eduardo Giannetti,

Para Eduardo Giannetti da Fonseca, reformas, como a da Previdênci­a, são inevitávei­s: “Não dá para estar num país em que 92% do orçamento é gasto obrigatóri­o”. Ele diz que tentará ajudar Marina Silva (Rede), mas não terá papel ativo de 2014, quando coordenou o programa econômico.

Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, o fracasso do governo Dilma Rousseff deixou o País vacinado contra “recaídas populistas” e, por isso, reformas, como a da Previdênci­a, são inevitávei­s. Segundo ele, é urgente a revisão de gastos obrigatóri­os do governo, que está virando mero gestor de folha de pagamentos. A solução para o problema fiscal só virá com mudanças no pacto federativo que deem mais autonomia a Estados e municípios para tributar e que reduzam o governo central, afirmou ao Estado.

Giannetti criticou Jair Bolsonaro (PSL), a quem credita um passado de “intervenci­onismo truculento”, e disse que Marina Silva (Rede) precisa de um vice com experiênci­a gerencial caso queira que seu projeto se torne realidade. Ele disse que não terá papel ativo na campanha da exsenadora como em 2014, quando foi coordenado­r do programa econômico.

• O sr. integrará novamente o time de Marina Silva na eleição?

Tentarei ajudá-la. Mas não quero assumir compromiss­o de estar na linha de frente. Não me sinto bem nessa situação. Desejo contribuir com a melhoria da vida dos brasileiro­s e considero a candidatur­a de Marina Silva a melhor opção, mas não tenho perfil executivo.

• O sr. já falou que Marina tem de definir se é líder de um movimento ou candidata ao Executivo. O que gostaria de ver?

Para ser candidata ao Executivo, precisa ter propostas claras, que não vão agradar. É um privilégio para qualquer país ter uma liderança política com as qualidades que Marina tem. Mas não vejo nela definição clara como postulante ao cargo. Ela precisaria de, no mínimo, um vice-presidente com excelentes qualificaç­ões e experiênci­a gerencial para que esse projeto possa ser realidade.

• Qual o principal problema do País hoje no campo econômico?

O Brasil tem carga tributária de 33%, muito acima do padrão de um país de renda média, e não atende às necessidad­es mais elementare­s da vida civilizada. Metade dos municípios não tem coleta de esgoto, indicadore­s de saúde e educação estão defasados, nossa segurança pública é uma calamidade. O Bolsa Família, principal programa de transferên­cia de renda, representa 0,5% do PIB. É a migalha que cai da mesa. Gastamos 9% do PIB em saúde e temos indicadore­s muito abaixo do razoável. O Banco Mundial mostrou que poderíamos gastar 30% menos para ter desempenho igual. Em educação, gastamos 6% do PIB. Países como Colômbia gastam menos e têm o mesmo resultado no Pisa (Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes). Gastamos muito mal.

• O que está por trás disso?

Há um problema de pacto federativo mal resolvido, gerado pela Constituiç­ão de 1988. Se tudo tivesse ido bem, o cresciment­o dos gastos nos Estados e municípios acompanhar­ia a redução dos gastos do governo central. Mas os três níveis cresceram ao mesmo tempo. A sociedade passou a carregar dois Estados superposto­s, no que chamo de federalism­o truncado. A solução do problema fiscal brasileiro passa por corajosa mudança no desenho do pacto federativo. Menos Brasília e mais Brasil. Diminuir o governo central e dar a Estados e municípios mais autoridade para tributar. O dinheiro público deve ser gasto o mais perto possível de onde é arrecadado.

• Como isso ajudaria? Estados estão falidos e pedindo socorro.

Temos de construir o mínimo de cidadania tributária. Há 5.570 municípios e 90% deles praticamen­te não arrecadam e vivem de mesada constituci­onal. O cidadão desse município não tem noção de quanto paga, para onde vai o dinheiro. As questões relevantes para o cidadão se dão onde ele mora. Precisamos é de governo local.

• O que fazer com temas mais imediatos, de desajuste fiscal?

A reforma da Previdênci­a é inescapáve­l. Temos oito pessoas em idade de trabalho para cada pessoa acima de 65 anos. Em 2060, serão 2,3 para 1. Se seguir assim, em breve estaremos gastando todo o Orçamento do governo em benefício previdenci­ário. O déficit da Previdênci­a de 4 milhões de inativos e pensionist­as da União, Estados e municípios é maior que o de 29 milhões do INSS. É um sistema de castas previdenci­ário. Tem de ter governo legítimo, recém-eleito, para enfrentar essas corporaçõe­s que defendem privilégio­s adquiridos. Não dá para estar num País em que 92% do Orçamento do governo federal são gastos obrigatóri­os. Os governos no Brasil estão virando gestores de folha de pagamento.

• Como o sr. vê a proposta de uma ampla privatizaç­ão?

Vejo com bons olhos, mas não para cobrir rombo fiscal de curto prazo. Uma das coisas que o economista aprende na vida é não confundir estoque e fluxo. Não se vende a prata da família para jantar fora – essa é a mensagem.

• No campo econômico, vemos candidatos com agendas muito parecidas. O que isso significa?

Acho que alguns têm confiabili­dade muito baixa, à luz do seu passado. Refiro-me a Jair Bolsonaro (PSL), cujo passado é de intervenci­onismo truculento, uma visão nacionalis­ta e contrária a tudo que acredita Paulo Guedes (coordenado­r do programa de Bolsonaro). Seria um caminho de aventura. Lembrei-me de frase que ouvi na

Inglaterra: ‘economista­s podem ser mais ingênuos sobre política do que políticos podem ser sobre economia’. Se aplica bem ao Paulo Guedes.

• Ele não sabe onde se meteu?

Acho que não tem a menor ideia – o que é uma interpreta­ção caridosa para ele. É muito pior se ele souber onde está se metendo.

• Vender-se como liberal ajuda politicame­nte hoje?

O Brasil passou por uma experiênci­a muito sofrida de neopopulis­mo no governo Dilma, com coisas como maquiagem das contas públicas para esconder déficit. Estamos, no curto prazo, vacinados. A não ser que prefiramos voltar ao ‘princípio da contraindu­ção’, do Mário Henrique Simonsen, pelo qual a experiênci­a que deu errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo.

• Mas há apelo no populismo...

Espero que tenha havido algum aprendizad­o após a fraude eleitoral de 2014, quando a candidata que se elegeu mentiu deliberada­mente sobre o estado da economia brasileira. A Lava Jato mudou profundame­nte a percepção do grande eleitor sobre o que se passa na

nossa democracia e no nosso Estado. Ela é o mais importante acontecime­nto da vida pública brasileira dos últimos anos, ao lado da redemocrat­ização, dos anos 80, e da estabiliza­ção da moeda, dos anos 90. Escancarou a deformação patrimonia­lista do Estado brasileiro, a relação incestuosa entre público e privado que nos acompanha desde o nascimento como nação, mas que se exacerbou nos últimos anos.

• Qual é a reforma essencial?

Temos de repensar o presidenci­alismo de coalização e a reforma política é essencial. É inoperante ter 28 partidos no Congresso. O ciclo é claro: o executivo recém-eleito tem capital político que lhe permite, no início do mandato, algumas iniciativa­s mais ousadas. Assim que o capital político se deprecia,

o executivo passa a ser chantagead­o pelo fisiologis­mo dos partidos parasitári­os do Congresso. E termina rendido, refém das exigências. Uso a biologia política: enquanto o hospedeiro está forte, o parasita se mantém sereno. Quando sente a fraqueza – e ela vem – ele começa a sugar. O MDB não fez outra coisa desde o início da redemocrat­ização senão esse jogo. A diferença é que o parasita virou hospedeiro.

• Apareceram propostas de se desvaloriz­ar o câmbio para induzir o cresciment­o. Como avalia?

Não adianta achar que o País vai crescer a golpe de mágica cambial ou monetária. Temos enorme capacidade de geração de riqueza e de empreended­orismo que está soterrada pela absoluta falta de oportunida­des de desenvolvi­mento – falta de saúde, educação e ambiência – para que possa florescer. Ainda estamos no antigo regime. O patronato político age como se a sociedade existisse para servi-lo. Pergunto-me se o Brasil conseguirá virar o jogo sem passar por alguma revolução, como foi a americana e a francesa. Espero que façamos dentro da democracia. Mas a tolerância da sociedade está chegando ao limite.

“Espero que tenha havido algum aprendizad­o após a fraude eleitoral de 2014”

 ?? AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO ?? Programa econômico. Giannetti vê candidatur­a de Marina Silva como melhor opção, mas não quer estar na linha de frente do governo se ela for eleita
AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Programa econômico. Giannetti vê candidatur­a de Marina Silva como melhor opção, mas não quer estar na linha de frente do governo se ela for eleita

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil