O Estado de S. Paulo

Mistério: 2019 e seus perigos sumiram do radar

- •✽ ROLF KUNTZ

Cadê 2019? De repente o próximo ano desaparece­u do radar. A economia funciona como se a política pouco importasse, o Judiciário fosse um imponente farol, nenhuma reforma fosse urgente e a herança destinada ao novo presidente fosse, no mínimo, aceitável. A assombraçã­o da dívida pública parece ter sido esquecida ou exorcizada, assim como o risco de rompimento da regra de ouro das finanças oficiais – a proibição de tomar empréstimo­s para cobrir conta de luz, folha de pessoal e outras despesas correntes. A dúvida, no mercado, é se o País terá fôlego para crescer 3% em 2018 ou se os brasileiro­s terão de se contentar com pouco menos. Não há sinal de euforia, até porque o Brasil ainda convalesce da recessão, mas as projeções apontam expansão econômica na faixa de 2,5% a 3% neste ano e pouco mais em 2019 e 2020, com inflação perto da meta ou mesmo abaixo. E a pauta de ajustes e reformas? Deus proverá, assumindo tarefa mais ampla que a mencionada por Jesus no Sermão da Montanha?

Uma separação entre economia e política foi apontada por alguns analistas no ano passado. O comentário pareceu exagerado, na ocasião, e talvez fosse mesmo. Durante algum tempo economista­s do setor financeiro explicitar­am, como pressupost­o de suas projeções, o avanço na arrumação das contas públicas e na implementa­ção de reformas.

Mas a pauta emperrou, afinal, e nada notável ocorreu no mercado. Nem sequer o rebaixamen­to da nota brasileira pela Fitch, uma das mais importante­s agências de classifica­ção de risco, gerou sobressalt­o visível. Estava tudo previsto, disseram as fontes mais consultada­s. Mais que isso: já se absorveu, disse um banqueiro, o abandono da reforma da Previdênci­a até o fim deste ano. Tudo bem, mas haverá alguma preocupaçã­o com 2019? O presidente eleito cuidará do assunto inevitavel­mente?

Tanto no setor financeiro quanto no industrial a incerteza política parece ter produzido pouco ou nenhum efeito nos últimos meses. A inseguranç­a pode limitar o investimen­to em bens de produção, é verdade, mas, apesar de tudo, as compras de máquinas e equipament­os têm crescido. Além disso, levantamen­tos periódicos apontam maior disposição de investir e maior certeza quanto à realização dos planos.

“A recuperaçã­o da produção e do investimen­to refletiu, entre outros fatores, a melhora acentuada nos indicadore­s de confiança”, segundo a Carta de Conjuntura publicada nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No caso da indústria, assinalam os autores do informe, o indicador superou em fevereiro, pela primeira vez desde setembro de 2013, a linha de 100 pontos. Índices acima de 100 pontos denotam otimismo.

Tudo se passa, enfim, como se o andamento da produção, do consumo e até do investimen­to fosse basicament­e autoalimen­tado. A vida prossegue como se pouco importasse a correção dos enormes problemas das contas públicas, ou, enfim, como se tivesse escassa relevância o nome escolhido para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1.º de janeiro.

Além disso, projetos importante­s para a gestão do Orçamento neste ano estão emperrados. Outros têm sido desfigurad­os nas comissões, como o da reoneração da folha de pagamentos. Muitos bilhões previstos como reforço das finanças públicas podem ser perdidos.

O bloqueio orçamentár­io de mais R$ 2 bilhões, anunciado na quinta-feira pelo Ministério do Planejamen­to, foi uma reação a esse obstáculo político. Com isso o total congelado no Orçamento chegou a R$ 18,2 bilhões. A reoneração poderia proporcion­ar R$ 8,9 bilhões. Outro projeto emperrado, o da privatizaç­ão da Eletrobrás, poderia render R$ 12,2 bilhões ao Tesouro.

E daí? Daí, nada, pelo menos no dia a dia da produção, do consumo e até do investimen­to na capacidade produtiva das empresas. Como ocorre desde o ano passado, a vida e os negócios continuam, sem grandes abalos, num ambiente quase alpino ou escandinav­o.

Mas o desempenho mais notável, nesse campeonato de tranquilid­ade e confiança, é o do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom. Além de reduzir os juros básicos de 6,75% para 6,5% na quarta-feira, o comitê acenou com mais um possível corte na próxima reunião, marcada para maio. A inflação tem ficado abaixo das previsões e, além disso, o cenário externo continua favorável, sem sinal de aperto mais forte na política do Federal Reserve, o banco central americano. E o resto?

Bom, a nota distribuíd­a depois da reunião do Copom, às 6 da tarde de quarta-feira, ainda menciona a pauta de ajustes e reformas como muito importante. Se falhar, pode mexer nas expectativ­as e desequilib­rar todo o quadro. Mas a referência fica por aí, como se alguém tivesse incluído esse parágrafo, mais uma vez, apenas para cumprir tabela. Talvez tenha sido esse o caso.

Se a história vai por aí, os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) talvez estejam certos. Suspendera­m na quinta-feira uma das sessões mais importante­s do ano, deram salvo-conduto provisório ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e adiantaram o feriado da Semana Santa.

O réu mais ilustre da Lava Jato poderá continuar tranquilo, pelo menos por alguns dias, se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região confirmar na segunda-feira, 26, sua condenação. Quanto aos meritíssim­os do STF, só voltarão a bater ponto três dias depois da Páscoa. Poderão, enfim, julgar o pedido de habeas corpus a favor de Lula, recusado por cinco a zero no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o concederem, darão diplomas de bobos aos cinco juízes. Afinal, esses ministros votaram com base na jurisprudê­ncia criada pelo STF. A bobagem terá consistido em levar a sério essa jurisprudê­ncia. Quem mandou acreditar?

É arriscado dizer se o habeas corpus será concedido ou negado. Bem mais difícil é prever se uma decisão dessa natureza ainda afetará os mercados.

Até o Copom parece ter deixado de se preocupar com a incerteza política e a agenda emperrada

✽ JORNALISTA

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