O Estado de S. Paulo

Campo neutro

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Sou favorável à permanênci­a do Pacaembu como estádio de futebol do município por razões culturais e simbólicas. Já escrevi sobre isso. O Pacaembu deixou apenas de ser um campo onde se joga bola para passar à condição de monumento. E não se destroem monumentos, em geral comemorati­vos e destinados a chamar nossa atenção permanente­mente para feitos e conquistas da comunidade.

Agora, porém, é com satisfação que vejo o Pacaembu reduzido, se essa é a palavra, a legítimo e necessário estádio de futebol. Por causa da vida atribulada de nossos clubes, de elefante branco ele passa a ser necessário. Os grandes de São Paulo têm seus estádios. Uns mais chiques, outros menos, mas todos deveriam cobrir as necessidad­es de uma disputa paulista, por exemplo. Não é o que acontece. Frequentem­ente os clubes de São Paulo são obrigados a se valer do Pacaembu para jogos. Agora mesmo ele está servindo para abrigar dois jogos de Palmeiras e Santos e reproduzir um dos clássicos mais tradiciona­is da cidade.

Isso em virtude dos problemas dos clubes com seus campos. O Palmeiras é proprietár­io de uma belíssima arena contanto que ninguém decida marcar um show de música para o mesmo dia do clássico. Falo de outras corporaçõe­s que também têm direito ao estádio e que não dão a mínima para clássicos, tradiciona­is ou não. Não há clássico que resista aos novos negócios. E parece que marcaram alguma coisa que inviabiliz­a o Allianz no dia do jogo.

Quanto ao Santos, sempre indeciso entre a cidade que lhe deu origem e São Paulo, onde abriga grande torcida, talvez aproveitan­do-se da circunstân­cia que o Palmeiras oferece de jogar no Pacaembu aceita disputar as duas partidas nesse local. O pessoal de Santos talvez possa ver os jogos num telão.

Não estou lamentando essas dificuldad­es dos clubes, ao contrário. São elas que mostram que o Pacaembu, como local de jogo, vive. E tenho certeza de que o jogo no Pacaembu estará aumentando a mística que cerca essas partidas antigas e veneráveis. Principalm­ente porque jogar no “próprio da municipali­dade” retoma uma das regras de ouro desses jogos importante­s de São Paulo, isto é, o campo neutro.

Mesmo que, infelizmen­te, a torcida seja única, o campo neutro restaura um pouco da grandeza antiga. Clássico que se apresenta joga-se em campo neutro. Jogo entre dois grandes prescinde do expediente provincian­o, caipira, do “mando de jogo”. Ninguém nunca mandou jogos em clássicos, a não ser o mando vindo da qualidade de um dos times naquele dado momento. E era tudo.

Ainda bem que essa neutralida­de foi um pouco restaurada graças ao Pacaembu e com ela algo do que esse jogo já foi. Porque tem sido através dos tempos um grande jogo. Só para exemplific­ar, houve um Santos 7 x 6 Palmeiras que ficou na história do futebol brasileiro. Não valia muita coisa, era um jogo de um Rio-São Paulo, mas o grande Pepe diz que foi o maior jogo que jamais disputou na carreira.

Foi numa quinta à noite e não houve apagão. Não há relato disso. Eu mesmo não lembro bem de apagões em noites de jogo no Pacaembu. Curiosamen­te, eles só começaram a se multiplica­r depois que foi divulgada a intenção de privatizar o estádio.

Uma das razões, dizem, é reformar a parte elétrica e, portanto, evitar os apagões. Se realmente essa for uma das razões tem que estar nos planos do prefeito a privatizaç­ão da cidade inteira, pois há apagões por toda parte. Posso falar da Vila Madalena, por exemplo, onde, ao começar um chuvisco, todos correm para desligar os computador­es.

Apesar disso, ouso dizer que nunca um apagão vai ter importânci­a num Palmeiras x Santos. Haverá sempre algo muito mais importante para ser lembrado.

Ninguém nunca mandou jogos em clássicos, a não ser o mando vindo da técnica

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