O Estado de S. Paulo

O agro da porteira para fora

- CELSO MING

Se da porteira para dentro o agronegóci­o vem apresentan­do resultados espetacula­res, da porteira para fora o quadro é menos animador. Por exemplo, na rodovia federal BR163, importante rota para escoar a produção do Mato Grosso aos portos do Pará, o caminhonei­ro precisa primeiro olhar para o céu. Nos cerca de 90 km sem asfalto e mesmo nos trechos asfaltados, mas cheios de problemas, chuva é sinônimo de atraso de entrega e de custos extras, caminhões atolados e enfileirad­os por todo o trecho.

Os avanços não podem ser ignorados. Bom exemplo do que melhorou é o Porto de Santos, onde as filas intermináv­eis de carretas carregadas, como as que ocorreram em 2013, sumiram depois da adoção de um sistema de agendament­o eletrônico.

As ferrovias, embora ainda carregadas de problemas, também trilham caminho um pouco melhor. Em 2017, a supersafra impulsiono­u o setor, que transporto­u 32% a mais de soja e 75% a mais de milho, quando esse desempenho é comparado com o de 2016. Hoje, apontam levantamen­tos da Embrapa, 47% da safra de grãos chega aos portos por ferrovia. O restante segue por rodovia (42%) e hidrovia (11%).

Mas ainda há enormes deficiênci­as, que tornam os caminhos para exportação mais difíceis e diminuem a competitiv­idade do agronegóci­o. O Brasil perde até R$ 9,6 bilhões por ano por ter optado por investimen­tos de retorno incerto e por continuar com ligações intermodai­s de baixa eficácia, informa a Embrapa, resultado que deixa o País apenas na 55.ª posição do ranking de logística elaborado pelo Banco Mundial em 2016 com 160 países.

O mesmo ranking mostra que o Brasil gasta 12,4% do PIB apenas com custos de logística, enquanto os Estados Unidos, não mais que 8,0%. Essa diferença é suficiente­mente grande para onerar o produto brasileiro em US$ 36 bilhões por ano. Tal cenário levanta o questionam­ento: se tem obtido excelentes resultados e, apesar disso, se arca com enormes custos, por que o próprio agricultor não toma a iniciativa e trata de virar por conta própria esse jogo adverso? A resposta fácil e recorrente é a de que concessões e desapropri­ações dependem do setor público, o que não deixa de ser verdade.

O especialis­ta José Carlos Hausknecht, da consultori­a MB Agro, argumenta que para bons projetos não falta interesse da iniciativa privada. É o caso da Ferrogrão, projeto ferroviári­o de R$ 12,7 bilhões, previsto para ligar os Estados de Mato Grosso e Pará e que faz parte de mapa estratégic­o desenhado por Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus e EDLP. Mas o somatório de fatores negativos, como lentidão, custos excessivos e escolha de projetos equivocado­s por parte setor público, impede que investimen­tos como esses saiam do papel.

Há questões essenciais para que as barreiras sejam transposta­s. A primeira delas é renovar satisfator­iamente as concessões. Não há novo investimen­to, se não existe perspectiv­a de amortizar os custos. Daí a importânci­a da renovação das concessões.

O segundo ponto é melhorar o ambiente regulatóri­o e reduzir a inseguranç­a jurídica, fatores que fazem com que alguns investimen­tos não tenham o retorno esperado. “Em muitas ferrovias, o setor público permitiu que o entorno fosse ocupado irregularm­ente, o que reduz velocidade e, portanto, diminui a eficiência”, pontua Hausknecht.

Essa também é a visão do chefe-geral do Grupo de Inteligênc­ia Territoria­l Estratégic­a da Embrapa, Evaristo de Miranda. Estratégic­as para o escoamento da safra em regiões importante­s, as hidrovias, por exemplo, poderiam ser mais bem exploradas, mas encontram infinidade de barreiras legais, como restrições ambientais ou de uso dos recursos naturais. Ele cita o ano de 2014, o auge da crise hídrica no Estado de São Paulo, quando a hidrovia Tietê-Paraná, em níveis baixos de volume, teve o fluxo de carga impedido para dar prioridade à geração de energia. Muitos produtores tiveram de apelar para o frete rodoviário, o que aumentou os custos.

Não faltam resultados positivos da participaç­ão do setor privado. Ao final da safra de 2016, a capacidade de armazenage­m do País cresceu 0,9% ante a safra anterior (dados do IBGE). Outro exemplo é a consolidaç­ão do Arco Norte, corredor que inclui os Portos de Santarém e Barcarena (PA), Itacoatiar­a (AM) e São Luis (MA). Para o diretor executivo do Movimento Pró-Logística Edeon Vaz Ferreira, esse foi dos principais avanços da infraestru­tura recentemen­te e teve importante atuação do setor produtivo, que investiu em estações de transbordo de carga e em equipament­os de navegação.

Mas muita coisa, hoje nas mãos do governo, pode avançar mais depressa se o setor privado atuar com mais firmeza./

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MARCOS MULLER/ESTADÃO
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