Uma sereia brasileira
‘A Pequena Sereia’ estreia com detalhes nacionais nas canções, falas e coreografia
Os atores se movimentam como em um balé, projetando o peito no caminhar enquanto os braços permanecem alinhados ao corpo, e as mãos se mexem graciosamente apenas com a flexão dos punhos. A intenção é reproduzir a rotina de seres que vivem no fundo do mar, ambiente natural de A Pequena Sereia, o Musical,
que estreia na sexta-feira, dia 30, no Teatro Santander. Trata-se de uma superprodução orçada em R$ 10 milhões, com Tiago Abravanel e Fabi Bang à frente de um elenco de 33 atores e 12 músicos, e com um desafio: mostrar como uma produção nacional pode ostentar um gabarito semelhante ou até superior à de similares internacionais.
“É a primeira vez que a Disney autoriza uma montagem sem ter a obrigação de ser uma réplica da americana”, explica Stephanie Mayorkis, produtora da EGG Entretenimento que, ao lado da IMM, é detentora dos direitos no Brasil. “Claro que a essência da história e dos personagens está mantida, pois isso é que atrai boa parte do público. Mas podemos acrescentar toques nacionais que só vão melhorar o espetáculo.”
Para isso, a produção conta com a presença, desde o final do ano passado, da diretora e coreógrafa americana Lynne Kurdziel-Formato, que já esteve à frente de diversos musicais no mundo e que assina a montagem nacional. Vinda da Dinamarca, onde dirigiu o mesmo espetáculo (“mas com uma voltagem diferente da brasileira, muito mais acalorada”), Lynne teve a missão de equilibrar as necessidades básicas do original da Disney com a possibilidade de inserir toques tipicamente nacionais.
“O segredo está nos detalhes”, contou ela ao Estado,
na pausa de um ensaio da semana passada. “O fundo do mar é basicamente o mesmo em todas as regiões do planeta, assim conseguimos dar um toque diferente, como usar flores mais conhecidas no Brasil.” Segundo Lynne, há dois aspectos mais evidentes: um uso maior de percussão entre os instrumentos, reforçando a batida do samba, e o sotaque usado por Tiago Abravanel que, como o caranguejo Sebastião, fala como alguém nascido no Nordeste brasileiro, arrancando gargalhadas com jeito despachado – no original, o personagem, também um brincalhão, tem origem jamaicana.
Baseado no desenho que a própria Disney lançou em 1989 (e que reergueu o departamento de animação do estúdio), A Pequena Sereia acompanha a história de Ariel (Fabi) que, apesar de viver no fundo do mar, quer pertencer ao mundo dos homens depois de ter conhecido o príncipe Eric (Rodrigo Negrini), e conta com a ajuda de seu melhor amigo, Linguado (Lucas Cândido).
Tiago, aliás, assim como Fabi Bang, encantaram a diretora americana, que não esconde sua admiração pelo trabalho da dupla. “Eles parecem ter nascido para viver esses papéis”, comenta Lynne, que agiu diretamente também em cenas capitais, como na transformação da sereia Ariel em humana. “A imagem que tenho é a de grandes pernas se transformando até ganhar o tamanho certo.” A cena, de fato, é de grande beleza plástica e é uma das várias em que os atores são suspensos por enormes cordas. Os movimentos, porém, em vez de passar a sensação de um voo, têm os gestos de quem flutua dentro da água.
Quando assistiu ao filme ganhador do Oscar, A Forma da Água, Fabi Bang buscou inspiração para sua própria interpretação. “Como a personagem principal é muda, a comunicação acontece pelos gestos – e não apenas pela linguagem de libras, mas também pela movimentação do corpo”, conta a atriz, cujo personagem, Ariel, perde a voz quando deixa de ser sereia para se transformar em humana. “É algo muito físico e precisei usar minha formação como bailarina”, completa ela, que faz alguns gestos em libras.
“Ariel simboliza as pessoas insatisfeitas com sua realidade e querem mudar, evoluir”, conta Fabi, empolgada com o papel, símbolo de sua carreira em ascensão. “Ariel é o fruto que colhi dos trabalhos anteriores, em Wicked e Kiss Me, Kate.”
O esplendor, no entanto, vem acompanhado de sacrifícios. Para efetuar os voos que simbolizam seu navegar pelo oceano, por exemplo, Fabi é obrigada a manter, por dentro do figurino, um cinto pelo qual ela é içada para os ares. “Por segurança, ele é bem apertado e chega a incomodar”, comenta a atriz que, por estar no palco em pelo menos 85% do espetáculo, é obrigada a colocar o cinto na cena 3, mas seu primeiro voo acontece apenas na cena 8.
Essa profusão de detalhes envolve, de fato, a produção de A Pequena Sereia. O primeiro desafio, lembra a produtora Stephanie Mayorkis, foi recriar os mundos aquático e terrestre com suas particularidades. “Para isso, foram necessários cenários de grandes dimensões, como o barco comandado pelo príncipe Eric (Rodrigo Negrini) ou a concha onde vive o rei Tritão (Conrado Helt), que exigem muita automação”, explica. “E, como não estamos copiando o musical original da Broadway, as soluções têm de ser encontradas aqui mesmo.”
E algumas são originais – Tiago Abravanel, por exemplo, escolheu um sotaque nordestino para viver o caranguejo Sebastião – que é jamaicano no original. “Pesquisei expressões típicas de várias regiões, para não parecer que falo como baiano ou pernambucano. Assim, ele é ora mais molengo, ora mais arretado”, observa o ator que, no início da temporada, vai dividir o palco com a participação no quadro A Dança dos Famosos, do Domingão do Faustão.
O ator também buscou detalhes sobre o universo marítimo, especialmente a forma como os caranguejos se movimentam dentro e fora d’água. “Meu personagem é um dos poucos que atuam naturalmente nos dois mundos”, diverte-se ele, que descobriu nuances da personalidade de Sebastião. “Como um bom caranguejo, ele tem uma casca rígida, o que explica sua forma paternal ao se relacionar com Ariel. Mas, no fundo, ele tem um coração mole e acaba cedendo aos desejos da menina.”
Abravanel é responsável por momentos impagáveis do espetáculo, ao lado de Andrezza Massei, que vive a bruxa do mar Úrsula. Dona de inúmeros recursos do humor, ela tem agora um desafio no canto, ao ter de adequar sua voz a um tom mais grave. “Na verdade, são muitas as canções que puxam as notas”, completa Rodrigo Negrini, feliz por interpretar o príncipe Eric, seu primeiro papel como protagonista.
As canções são outro grande trunfo do musical, graças à delicadeza da melodia original, criada por Alan Menken. Uma das mais conhecidas é Under The Sea, comandada por Abravanel. “A batida quase faz lembrar o carnaval da Bahia”, conta ele, que ainda busca uma inspiração em Elvis Presley para a romântica Beijo Seu. Para isso, foi determinante a precisa tradução de Mariana Elisabetsky e Victor Mühlethaler. E, além dos protagonistas, o público vai confirmar o talento de Lucas Cândido (Linguado) e Elton Towersey (Sabidão), surpreendentes no humor e no canto.
A PEQUENA SEREIA
Teatro Santander. Shopping JK. Av. Juscelino Kubitschek, 2.041. 5ª e 6ª, 21h. Sáb., 16h e 20h. Dom., 15h e 19h. R$ 75/R$ 280. Até 29/7