O Estado de S. Paulo

Serviço à carioca

- RUTH MANUS E-MAIL: RUTH.MANUS@ESTADAO.COM RUTH MANUS ESCREVE AOS DOMINGOS

Sempre que vou ao Rio de Janeiro me lembro de algumas coisas. A primeira é do quão maravilhos­a é aquela cidade. Não tem jeito, não canso de me deslumbrar, ano após ano. A segunda é que, por mais que eu ame aquela cidade, acho que nunca me adaptaria a viver ali. Isso porque eu acho que sou paulistana demais para sobreviver ali. E isso nem tem a ver com o calor ou a violência. Tem a ver com o serviço.

Já viajei bastante e chego sempre à conclusão de que ser acostumado com a prestação de serviço de São Paulo é um vício maravilhos­o que frequentem­ente se transforma numa maldição. Isso porque eu ainda não achei lugar no mundo onde o serviço funcione tão bem quanto o de São Paulo, seja em lojas, restaurant­es, bares ou tantas outras coisas, e a gente sempre acaba se frustrando um pouco por causa disso.

Mas o serviço no Rio merece um capítulo à parte. Trata-se de uma coisa muitíssimo peculiar, que deveria ser analisada por uma bela equipe composta por sociólogos, historiado­res e psicólogos. Toda vez, eu tento entender o que se passa e acabo no mesmo mato sem cachorro.

Porque o serviço na cidade maravilhos­a funciona mais um menos assim: a gente chega a um restaurant­e e começa a procurar algum garçom para perguntar se podemos nos sentar naquela mesa (sim, paulistano­s fazem isso, somos disciplina­dos por natureza). Geralmente, demoramos para encontrar um garçom e, quando perguntamo­s, ele não sabe responder. Tudo bem, vamos nos sentar lá mesmo assim.

A mesa está meio suja, mas já já alguém vem limpar e nos atender. Já já. Ou talvez daqui uns 5 minutos. Ou 10. Possivelme­nte 15. Oi! Moço! Oi! Por favor! Você pode limpar aqui? E me dar o cardápio? Eles sorriem, porque via de regra são simpáticos. Dizem que já vão. E não vão. Você pede mais uma vez. Talvez duas. Uma hora eles chegam.

E então você faz o pedido: uma coca zero e um bife bem passado com legumes e arroz. Depois de cerca de 40 minutos chega o bife, malpassado, com legumes e batata. Se for sua primeira vez no Rio, você pede para trocar. Se não for, você come aquilo mesmo, sem dizer nada. Mas ocorre que a bebida não veio até agora. Você diz: Oi! Oi! Moço! A minha coca zero tá vindo? Com gelo, por favor. Mais 15 minutos. Chega uma coca normal e um copo com rodelas de limão.

Depois de comer, você quer pedir a conta. Segue mais uma batalha. Começamos a perceber que estamos constrangi­dos de chamar o garçom outra vez. Parece que estamos incomodand­o o simpático moço com nossos intermináv­eis pedidos: mesa, bebida, comida, conta. Sentimos que estamos abusando, que deveríamos deixar o pobre garçom em paz.

Mas, enfim, a conta chega (com erros, provavelme­nte) e subitament­e todos os garçons desaparece­m e você não tem para quem pagar – seja em dinheiro ou com cartão. Eu, algumas vezes, quase cogitei ir embora e entrar com uma ação em consignaçã­o em pagamento, depositand­o em juízo o valor da conta, porque comecei a achar que assim seria mais rápido. Não sei, nunca testei, mas é capaz de valer a pena.

Quando você consegue pagar, das duas uma, ou não tem troco ou a máquina do cartão está sem sinal. Também há um outro fato que acontece no Rio, que é o misterioso desapareci­mento de maquininha­s de cartão. Não encontram nenhuma e você fica com aquela cara de “pois é”, achando que talvez devesse propor pagar com precatório­s.

Mas, tudo bem, demorou, mas deu tudo certo. Você sai do restaurant­e e decide pegar um táxi. Assim que entra, já começa a pedir desculpas. Não sabe bem por que: talvez por tê-lo obrigado a parar, talvez por estar invadindo o carro dele, talvez porque sua corrida só dê uns 18 reais. Sei lá, no Rio, a gente sempre já vai logo pedindo desculpas. Porque, afinal, coitados desses prestadore­s de serviço de lá: eles têm que aguentar os clientes. Dureza.

Os garçons dizem que já vão. E não vão. Você pede mais uma vez, duas. Uma hora eles chegam

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