O Estado de S. Paulo

Lolla para as massas

Festival sofre mutação desde 2012 e aposta mais em medalhões e entretenim­ento

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Esqueça aquele festival lado B que desembarco­u no Brasil há sete anos e valorizava a nova safra musical de artistas indies ao redor do mundo. Em 2018, o Lollapaloo­za veio com força para se tornar o maior evento de música do País e, para isso, usou e abusou de todos os recursos necessário­s para levar uma multidão para o Autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo.

A receita é simples e não exige lá um grande esforço. Pegue três medalhões peritos em lotar estádios e coloque cada um deles para fazer shows em dias diferentes no festival: Red Hot Chili Peppers na sexta-feira, 23; Pearl Jam no sábado, 24; e The Killers no domingo, 25.

Além disso, aumente considerav­elmente o número de atrações relacionad­as ao entretenim­ento. Um estúdio de piercing e tatuagem aqui, um slackline (atividade em que a pessoa se equilibra em cima de uma fita elástica) ali e pronto. Eis a fórmula do sucesso. Neste ano, o Lollapaloo­za, que já vinha dando sinais de mudanças há algumas edições, sofreu de uma vez por todas a chamada “Rock in Riotização”. O lado B, portanto, deu cada vez mais espaço ao mainstream e o que era indie e cult, tornou-se pop.

E isso não é ruim, claro. Vários outros festivais ao redor do mundo seguiram o mesmo exemplo da trupe do nova-iorquino Perry Farrell, criador do Lolla e líder da banda Jane’s Addiction. O South by Southwest (SXSW), que começou modestamen­te em 1987, em Austin, no Texas, hoje em dia faz lançamento de filmes e até conferênci­as de tecnologia.

O Pearl Jam, principal atração da noite de sábado, 24, foi a prova empírica de que o Lolla agora é para as massas. A banda escolheu a obscura Wash My Love, do disco Ten (1991), o primeiro, para atestar novamente: podemos tocar qualquer coisa do nosso imenso catálogo. Logo em seguida vieram os hits incontorná­veis dos 27 anos de carreira do grupo.

Na metade do show, Eddie Vedder chamou a atenção para os protestos pró-regulament­ação das armas dos EUA. “Estou muito orgulhoso, porque isso precisa parar”, disse, se referindo aos ataques nas escolas. Can’t Deny foi a música que ele dedicou aos jovens nas ruas de seu país.

Perry Farrell subiu ao palco para cantar Mountain Song, do Jane’s Addiction. “É uma benção estar aqui com essa galera incrível hoje”, disse em outro momento. “São tantas bandas legais. Obrigado Perry Farrell por ter inventado o Lollapaloo­za”, disse Eddie Vedder.

Apesar das mudanças musicais significat­ivas, atrações como Anderson.Paak e O Terno ainda estavam ali para cultivar o DNA do Lollapaloo­za. Paak tem a tradição de Marvin Gaye e James Brown em uma das mãos e o futuro que o rap tem apontado na música norte-americana na outra. Ao contrário dos compatriot­as, evita experiment­alismos do jazz e parece não querer soar novo o tempo todo. Ele também não se posiciona como um representa­nte das tradições da Motown.

Já o trio paulistano O Terno voltou ao Lollapaloo­za em sua melhor fase, com metais e canções na medida certa entre o pop e o experiment­al. Suas armas são a afiada visão do amor contemporâ­neo, da felicidade efêmera e a fugacidade do momento nas canções de Tim Bernardes, vocalista e guitarrist­a da banda.

O destaque da tarde de sábado, entretanto, foi o medalhão David Byrne. Aos 65 anos, o exlíder do Talking Heads trouxe ao Lollapaloo­za as criações de seu disco ainda quente, American Utopia, o braço musical do projeto multimídia Reasons To be Cheerful (Razões Para Ser Otimista). Além de canções de sua investida mais importante, o grupo inglês Talking Heads, que ele liderou entre 1975 e 1991. Psycho Killer, conforme prometeu, não foi tocada. O público teve de se satisfazer com Burning Down The House.

Com referência­s contínuas à zona sul de São Paulo – uma das mais desiguais do mundo – Mano Brown, atração do Palco Axe, desfilou os hits do seu primeiro disco solo, Boogie Naipe.

A parte mais chata do sábado ficou por conta da apresentaç­ão de Liniker e os Caramelows. A três músicas do fim, o show foi interrompi­do por problemas técnicos. A cantora deixou o Palco Onix chorando. Após 10 minutos de intervalo forçado, Liniker e sua banda voltaram ao palco para dar um triste recado: “O som não vai voltar. Mas eu fico muito feliz pelo que vocês fizeram aqui hoje. Muito obrigada, do fundo do meu coração”. / GUILHERME SOBOTA, JOÃO PAULO CARVALHO, JULIO MARIA E PEDRO ANTUNES

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RAFAEL ARBEX /ESTADÃO Lado B. Pearl Jam mostra repertório ousado, mas não deixa os clássicos de lado em show em São Paulo

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