Degustador, um trabalho de dar água na boca
Provadores de alimentos e bebidas compartilham a rotina da profissão, que envolve muito estudo e preparação
Ganhar a vida experimentando e avaliando produtos como vinho, café e chocolate? Quem não gostaria? Entretanto, quem trabalha na área garante: a rotina é muito mais dura do que apenas se deliciar o dia inteiro com bebidas ou comidas.
Por exemplo, a sommelier e consultora de cachaças do restaurante Pirajá, Isadora Formani, tem uma rotina em que leva uma semana só para avaliar a bebida. “Degusto a cachaça em diferente horários do dia. Não posso beber outras coisas nem fumar para poder ter uma percepção plena daquele produto. Então eu faço uma avaliação visual, olfativa e palatável”, conta Isadora.
Essa é só uma parte do trabalho. Além disso, Isadora precisa saber para qual público é destinada aquela bebida, coisa que nem os produtores dominam. “Um produto que é extremamente complexo, forte potência alcoólica, gosto intenso e eles querem vender para um público jovem e eu preciso explicar que esse público não vai consumir. Isso interfere em como o produto vai ser vendido.”
O relacionamento com os clientes muitas vezes é parte do trabalho de um degustador. O sommelier Gianni Tartari, que trabalha com vinhos há 30 anos, conta que o atendimento de salão é “o momento de mais saia justa” da rotina, quando ele precisa harmonizar a bebida com o prato escolhido no restaurante.
Combinação. “Nossa principal sugestão é o que melhor vai funcionar com o prato, pois depende do sabor, textura, condimentos... não depende apenas do preço.” Hoje, Tartari atua como consultor para diversas empresas e administra o Bonovino, um clube de curadoria de vinhos.
Uma das especialidades de Ensei Neto, degustador há mais de 20 anos, é o café. A bebida tem uma peculiaridade em relação a outros produtos, porque não sai pronta de uma garrafa e depende da forma como é preparado pelo barista. “Isso pode ser determinante para piorar ou manter a qualidade do produto que foi torrado inicialmente, além de interferir na concentração.”
Ele afirma que o mercado para especialistas em café está em crescimento, pelo fato de a bebida ter “entrado na moda”. “Está em franca expansão e toda a cadeia se beneficia do desenvolvimento. Há os profissionais agrônomos que são especializados em café, produtores que tem condição de fazer produtos diferentes para o mercado, baristas, e há quem fique nesse meio, que faz as avaliações de café.”
Engenharia. Ensei afirma que uma das distinções do avaliador de café é que ele tem de ter registro como Classificador de Produtos Vegetais no Ministério da Agricultura.
Assim como outros degustadores, Neto tem o background de formação em engenharia química com foco nos alimentos, um nicho do mercado que é absorvido principalmente pelas indústrias.
Kathia Zanatta começou a trabalhar com cerveja quando ainda estava na faculdade. Depois de conseguir um emprego na Brasil-Kirin, ela foi se especializar na Alemanha e se tornou sommelier de cerveja certificada pela Doemens Akademy.
“Inicialmente, eu queria trabalhar na produção, ser mestrecerv ejeira em vez de ir para o lado de sommelieria. Dentro de pesquisa e desenvolvimento eu atuava mais em chão de fábrica e produção, que era o que eu queria. Só que gradualmente foi surgindo esse mercado de cervejas especiais”, conta a especialista. “Fui a primeira brasileira a fazer o curso de sommelier de cerveja, até então não existia nenhum profissional aqui formado na área”, afirma Kathia, que passou a trabalhar também no setor comercial, juntamente a sua atuação na produção.
Posteriormente, ela fundou o Instituto da Cerveja com mais dois sócios, onde ensina interessados em se tornar degustadores de cerveja. Kathia fala dos trabalhos relacionados à profissão. “Somos responsáveis por fazer serviços de salão, mas também atuamos em outras áreas do mercado, como a área dos negócios, ajudando importadoras a selecionar produtos de qualidade e também dando dicas de harmonização.”
Talitha Faria é analista sensorial na Nestlé. Na fábrica, ela atesta a qualidade dos chocolates da empresa. “Faço parte do quadro de qualidade com mais 250 avaliadores”, disse a engenheira de alimentos.
Ela passou por uma série de treinamentos dentro da companhia para estimular os sentidos. Ela explica que o controle ocorre em todos os setores. “Na fábrica de São Leopoldo (RS), por exemplo, a avaliação é das papinhas produzidas.”