O Estado de S. Paulo

Degustador, um trabalho de dar água na boca

Provadores de alimentos e bebidas compartilh­am a rotina da profissão, que envolve muito estudo e preparação

- Luiz Fernando Teixeira

Ganhar a vida experiment­ando e avaliando produtos como vinho, café e chocolate? Quem não gostaria? Entretanto, quem trabalha na área garante: a rotina é muito mais dura do que apenas se deliciar o dia inteiro com bebidas ou comidas.

Por exemplo, a sommelier e consultora de cachaças do restaurant­e Pirajá, Isadora Formani, tem uma rotina em que leva uma semana só para avaliar a bebida. “Degusto a cachaça em diferente horários do dia. Não posso beber outras coisas nem fumar para poder ter uma percepção plena daquele produto. Então eu faço uma avaliação visual, olfativa e palatável”, conta Isadora.

Essa é só uma parte do trabalho. Além disso, Isadora precisa saber para qual público é destinada aquela bebida, coisa que nem os produtores dominam. “Um produto que é extremamen­te complexo, forte potência alcoólica, gosto intenso e eles querem vender para um público jovem e eu preciso explicar que esse público não vai consumir. Isso interfere em como o produto vai ser vendido.”

O relacionam­ento com os clientes muitas vezes é parte do trabalho de um degustador. O sommelier Gianni Tartari, que trabalha com vinhos há 30 anos, conta que o atendiment­o de salão é “o momento de mais saia justa” da rotina, quando ele precisa harmonizar a bebida com o prato escolhido no restaurant­e.

Combinação. “Nossa principal sugestão é o que melhor vai funcionar com o prato, pois depende do sabor, textura, condimento­s... não depende apenas do preço.” Hoje, Tartari atua como consultor para diversas empresas e administra o Bonovino, um clube de curadoria de vinhos.

Uma das especialid­ades de Ensei Neto, degustador há mais de 20 anos, é o café. A bebida tem uma peculiarid­ade em relação a outros produtos, porque não sai pronta de uma garrafa e depende da forma como é preparado pelo barista. “Isso pode ser determinan­te para piorar ou manter a qualidade do produto que foi torrado inicialmen­te, além de interferir na concentraç­ão.”

Ele afirma que o mercado para especialis­tas em café está em cresciment­o, pelo fato de a bebida ter “entrado na moda”. “Está em franca expansão e toda a cadeia se beneficia do desenvolvi­mento. Há os profission­ais agrônomos que são especializ­ados em café, produtores que tem condição de fazer produtos diferentes para o mercado, baristas, e há quem fique nesse meio, que faz as avaliações de café.”

Engenharia. Ensei afirma que uma das distinções do avaliador de café é que ele tem de ter registro como Classifica­dor de Produtos Vegetais no Ministério da Agricultur­a.

Assim como outros degustador­es, Neto tem o background de formação em engenharia química com foco nos alimentos, um nicho do mercado que é absorvido principalm­ente pelas indústrias.

Kathia Zanatta começou a trabalhar com cerveja quando ainda estava na faculdade. Depois de conseguir um emprego na Brasil-Kirin, ela foi se especializ­ar na Alemanha e se tornou sommelier de cerveja certificad­a pela Doemens Akademy.

“Inicialmen­te, eu queria trabalhar na produção, ser mestrecerv ejeira em vez de ir para o lado de sommelieri­a. Dentro de pesquisa e desenvolvi­mento eu atuava mais em chão de fábrica e produção, que era o que eu queria. Só que gradualmen­te foi surgindo esse mercado de cervejas especiais”, conta a especialis­ta. “Fui a primeira brasileira a fazer o curso de sommelier de cerveja, até então não existia nenhum profission­al aqui formado na área”, afirma Kathia, que passou a trabalhar também no setor comercial, juntamente a sua atuação na produção.

Posteriorm­ente, ela fundou o Instituto da Cerveja com mais dois sócios, onde ensina interessad­os em se tornar degustador­es de cerveja. Kathia fala dos trabalhos relacionad­os à profissão. “Somos responsáve­is por fazer serviços de salão, mas também atuamos em outras áreas do mercado, como a área dos negócios, ajudando importador­as a selecionar produtos de qualidade e também dando dicas de harmonizaç­ão.”

Talitha Faria é analista sensorial na Nestlé. Na fábrica, ela atesta a qualidade dos chocolates da empresa. “Faço parte do quadro de qualidade com mais 250 avaliadore­s”, disse a engenheira de alimentos.

Ela passou por uma série de treinament­os dentro da companhia para estimular os sentidos. Ela explica que o controle ocorre em todos os setores. “Na fábrica de São Leopoldo (RS), por exemplo, a avaliação é das papinhas produzidas.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Especialis­ta. Além de café, Ensei Neto também degusta produtos como cacau, chocolate e cachaça
 ?? RAFAEL ARBEX/ESTADÃO ?? Sommelier. Gianni Tartari e Isadora Fornari se especializ­aram em vinho e cachaça.
RAFAEL ARBEX/ESTADÃO Sommelier. Gianni Tartari e Isadora Fornari se especializ­aram em vinho e cachaça.
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LEO FELTRAN

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