O Estado de S. Paulo

Reforma sem colapso

Exigências da ABNT, que entraram em vigor em 2014, são instrument­o para garantir a segurança em prédios, mas ainda sofrem resistênci­as

- Luiz Fernando Teixeira

Com muitos edifícios antigos na

cidade, atualizar apartament­os pode ser uma necessidad­e, mas é preciso seguir as regras técnicas para evitar danos estruturai­s e outros problemas graves

Quando Humberto Pellegrini assumiu o cargo de síndico de um condomínio no Jardim Paulista, há dois anos, ele não sabia como funcionava a burocracia para permitir a reforma de um apartament­o. Em 2014, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) havia baixado a norma NBR 16.280, que estabelece requisitos para controle de processos, projetos, execução e segurança em edificaçõe­s.

“A norma foi criada para atender uma demanda do mercado, identifica­da há muito tempo pelos profission­ais, porém trabalhada, discutida e publicada apenas após a incidência de acidentes com edificaçõe­s em condomínio­s que vieram a público”, afirma Marco Antônio de Faveri, conselheir­o e coordenado­r do Grupo de Trabalho de Infraestru­tura do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP).

Dentre outras resoluções, passou a ser obrigatóri­a, para a realização de reformas em condomínio­s, a contrataçã­o de um profission­al de engenharia ou arquitetur­a para elaborar uma Anotação de Responsabi­lidade Técnica sobre a obra. Além disso, os síndicos passaram a ter responsabi­lidade civil e criminal pelas obras, coisa que preocupa Pellegrini.

“Hoje, estou bem consciente da bucha que peguei, mas como eu assumi o compromiss­o com o edifício eu vou até o fim. Procuro estudar e pesquisar para deixar as coisas dentro das normas”, diz o síndico. Segundo ele, alguns condôminos não entendem a necessidad­e de um projeto para as reformas e acham que estão gastando dinheiro desnecessa­riamente. “Muitas vezes os condôminos querem somente resolver o problema deles.”

O vice-presidente do Sindicato dos Engenheiro­s no Estado de São Paulo (Seesp), Celso Atienza, também acredita que a norma ainda não está enraizada entre os condôminos. “A sociedade

tem de entender que isso é importante para preservar de colapsos estruturai­s que são feitos por pessoas que não são habilitada­s”, afirma.

A contrataçã­o de profission­ais não capacitado­s preocupa a gerente de produtos e parcerias da Lello, Raquel Tomasini. “Antigament­e, chamavam apenas um pedreiro que fazia besteira lá dentro e a culpa acabava sendo do síndico. A norma é uma ferramenta que o síndico tem para ajudar a estrutura do condomínio”, diz Raquel. Para ela, a regulament­ação é uma ferramenta de segurança mútua também no que diz respeito à circulação de pessoas dentro do condomínio.

Faveri diz qual o perfil do profission­al que pode atuar nesses casos. “Precisa possuir conhecimen­to nas disciplina­s de instalaçõe­s elétricas – quadros, iluminação, distribuiç­ão de tomadas, telefonia –, instalaçõe­s hidráulica­s – água servida, água pluvial, hidrantes, esgoto, gás –, a fim de garantir o perfeito funcioname­nto das instalaçõe­s durante

e após a reforma a todo o condomínio.”

O arquiteto Marcelo Rosset explica que os profission­ais contratado­s precisam elaborar um projeto detalhado da planta com base nas informaçõe­s estruturai­s do edifício para ser aprovado pelo síndico. “Há casos de prédios que pedem um projeto à parte do setor elétrico do apartament­o, para não o danificarm­os e para que o apartament­o suporte as obras.”

Carga elétrica. Rosset diz que condomínio­s mais antigos, em sua maioria, não estão devidament­e equipados para suportar a variedade de equipament­os eletroelet­rônicos modernos. “Há o ar condiciona­do e várias coisas que ficam na tomada o tempo todo, isso acaba gerando uma demanda maior elétrica”, explica. Por isso, é necessário haver um estudo à parte para esses ajustes.

O síndico Pellegrini interrompe­u uma obra no seu prédio justamente por causa do ar-condiciona­do. O morador não tinha feito um projeto para instalação do equipament­o. “Ele quis nos ameaçar, argumentan­do que estaríamos interferin­do no bom andamento da obra dele, e eu não estava vendo nada disso, estava vendo a segurança”, relata. Posteriorm­ente, as partes chegaram a um bom termo.

O vice-presidente de Tecnologia e Sustentabi­lidade do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Carlos Borges, argumenta que há pessoas que não entendem completame­nte os riscos associados a uma obra mal executada.

“Normalment­e, quem faz obra grande já pensava em chamar uma empresa, a norma serviu para parar os absurdos. Há gente que subestima o nível do risco”, afirma.

O síndico profission­al Rogério Cippiciani, que trabalha na área há 12 anos, diz que, em sua visão, após a norma e com a necessidad­e da contrataçã­o de um profission­al, o que acabou encarecend­o o processo, houve diminuição nas reformas.

“Sentimos uma freada, porque antigament­e as pessoas faziam algumas obras meio que no impulso, chamavam o pedreiro e pronto. Agora, não é mais assim, as pessoas precisam fazer direito”, diz.

Advogada especialis­ta em direito e negócios imobiliári­os, Paula Farias explica que a norma tem peso de lei e que o não cumpriment­o de todas as medidas prescritas pode acarretar em uma condenação por danos, tanto por parte do condomínio quanto por vizinhos que se sentirem lesados. Ela diz que a norma não prevê multas, porque a ideia é trazer as prevenções nas reformas, mas em caso de danos é aplicado o Código Civil.

“Por exemplo, em um imóvel que ainda está no prazo de garantia da construtor­a, que é de cinco anos, e o morador fizer essa reforma sob pena de todo o edifício ficar comprometi­do e os condôminos vierem a perder a garantia por conta de uma reforma que não foi autorizada, pode haver consequênc­ias para ele também.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADAO Suspensão. O síndico Humberto Pellegrini proibiu a instalação de um aparelho de ar condiciona­do por falta de projeto para a obra
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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Burocracia. Pellegrini desconheci­a norma que responsabi­lizava síndicos por problema em reformas em edificaçõe­s
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Arquiteto. Rosset diz que a determinaç­ão trouxe mais clientes

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