O Estado de S. Paulo

Residência médica tem 40% das vagas ociosas

Educação. País tem quase 22,9 mil postos ociosos para esse tipo de formação, mostra estudo da USP com apoio de conselhos de Medicina; baixa qualidade dos cursos, falta de orientador­es e escassez de recursos para bolsas estão entre os motivos da desistênci

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

Boa parte das vagas autorizada­s para residência médica no Brasil continua só no papel. Estudo feito pela Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP) com apoio do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo mostra que 40% dos postos de estudo estão ociosos. Ao todo, são 22.890 vagas não ocupadas pelo País.

O fenômeno ocorre num momento em que a demanda por especialis­tas no sistema de saúde é crescente. Além de não atender às necessidad­es da assistênci­a, os postos ociosos deixam claro a grande contradiçã­o na formação médica brasileira. Enquanto quase metade dos postos está vaga ou nem foi ativada, muitos profission­ais enfrentam processos seletivos para cursos de especializ­ação tão disputados quanto uma prova de vestibular.

Coordenado­r do estudo, o professor da USP Mário Scheffer atribui o problema, em parte, à falta de recursos. Instituiçõ­es obtêm autorizaçã­o para abrir vagas mas, diante da ausência de financiame­nto das bolsas, acabam desistindo ou ofertando menos postos do que a sua real capacidade.

A bolsa mensal do residente é de R$ 3.330.

Nos hospitais universitá­rios federais, o financiame­nto do treinament­o é feito pelo Ministério da Educação (MEC).

A pasta da Saúde, por sua vez, arca com bolsas atreladas a programas estratégic­os. Estados, municípios, hospitais filantrópi­cos e privados financiam bolsas de residência em seus próprios serviços.

A coordenado­ra geral das residência­s em saúde do MEC, Rosana Leite de Melo, afirma que o “congelamen­to” das vagas de residência é irregular. “Quando a autorizaçã­o é concedida, as instituiçõ­es devem cumpri-la. Não é apenas uma transação administra­tiva. O Estado conta que tais vagas sejam abertas, que entrem em funcioname­nto para que médicos sejam treinados”, explica.

Na prática. Além do problema de recursos, outros fatores contribuem para as altas taxas de vagas ociosas. Um deles é a falta de preceptore­s, os profission­ais encarregad­os de orientar os alunos durante a formação. “Esse não é um posto obrigatori­amente remunerado. Com a ampliação das vagas, instituiçõ­es se deparam com a dificuldad­e de encontrar profission­ais dispostos a atuar”, afirma Rosana.

Alguns cursos registram elevado índice de desistênci­a de residentes na transição entre o 1.º e 2.º ano de curso. “São vários fatores que levam à desistênci­a. Entre eles, a falta de qualidade da residência”, completa ela.

Os dados do estudo feito pela USP, batizado de Demografia Médica, indicam uma diferença significat­iva das vagas ociosas de acordo com o ano de residência. Em 2017, o 1.º ano de residência apresentav­a 5.933 vagas não ocupadas. Já no 2.º ano, o número saltava para 10.529. Na avaliação de Rosana, a diferença entre as vagas ofertadas e as efetivamen­te usadas indicam a necessidad­e de melhor planejamen­to.

“Passar no curso é difícil. Mas ninguém quer dedicar dois, três, quatro anos de sua vida para uma formação que não é boa. Quando o médico percebe que a residência não é boa, ele desiste, tenta em outro lugar”, afirma Juracy Barbosa, de 33 anos, que há duas semanas concluiu a residência em Ortopedia e Traumatolo­gia no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Agora, ele se prepara para se dedicar a uma subespecia­lidade.

Mesmo especialid­ades mais buscadas, como Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral e Ginecologi­a e Obstetríci­a têm aproximada­mente 30% das vagas autorizada­s não preenchida­s. “Vagas ociosas representa­m um desperdíci­o. Médicos especialis­tas são essenciais no sistema de saúde brasileiro”, afirma Scheffer.

O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que o programa de residência médica tem como objetivo dar prioridade às regiões onde existe carência na assistênci­a e de formação profission­al. As vagas do programa são definidas em acordo com secretaria­s municipais e estaduais de saúde, com base nas necessidad­es locais.

Entre as ações, está a concessão de bolsas e formação de tutores do programa. O ministério financia vagas de residência autorizada­s pela Comissão Nacional de Residência Médica.

Ninguém quer dedicar dois, três, quatro anos em uma formação que não é boa” Juracy Barbosa

RESIDENTE

 ??  ??
 ?? ANDRE DUSEK/ESTADÃO ??
ANDRE DUSEK/ESTADÃO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil