O Estado de S. Paulo

Lúcia Guimarães

Maestro venezuelan­o criou o Sistema, inovador projeto de educação musical hoje presente em 60 países

- João Luiz Sampaio ESPECIAL PARA O ESTADO

Os ataques antissemit­as nos Estados Unidos aumentaram 60% entre 2016 e 2017.

Ao longo dos próximos dias, cerca de 1.700 crianças vão se dividir por treze cidades baianas em apresentaç­ões musicais, culminando no dia 1º de abril com um concerto especial no Teatro Castro Alves, em Salvador. Elas fazem parte do Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantias da Bahia), uma das muitas iniciativa­s mundo afora inspiradas pelo projeto de educação musical venezuelan­o batizado de El Sistema – e testemunha­s do impacto que o trabalho de seu criador José Antonio Abreu, a quem as apresentaç­ões serão dedicadas, teve sobre o mundo musical nos últimos anos.

Abreu morreu no último sábado, dia 24, aos 79 anos. Economista, maestro e compositor, deixa como principal legado sua atividade como educador, iniciada nos anos 1970, quando reuniu em uma garagem nos arredores de Caracas doze jovens a quem ofereceu aulas de música. A arte, acreditava, poderia ser uma ferramenta de inclusão social. E, a partir desse conceito, o projeto ampliou-se: no início do mês, o Sistema chegou à marca de 900 mil integrante­s, espalhados por mais de 1.500 orquestras e coros em toda a Venezuela, orientados por 12 mil professore­s.

Pelo tamanho, e pela proposta da atividade orquestral como capaz de lidar com questões como autoestima, diálogo e trabalho em grupo, sendo assim o microcosmo­s de uma sociedade mais inclusiva e justa, o Sistema transformo­u-se em referência em todo mundo. Atraiu à Venezuela músicos como Yo-Yo Ma, Simon Ratlle e Claudio Abbado. Exportou talentos. E o mais badalado deles, o maestro Gustavo Dudamel, encarnaria tanto a excelência artística do trabalho na Venezuela como se tornaria símbolo, ao ser convidado para liderar as principais orquestras do mundo, da necessidad­e de renovação no cenário erudito internacio­nal.

O Sistema trabalha em rede e nele cada aluno é um professor em potencial, multiplica­ndo a presença e os efeitos do projeto. Hoje, há projetos que adotam essa metodologi­a em mais de 60 países.

Política. Em 2014, no entanto, o musicólogo britânico Geoffrey Baker publicou um livro no qual referia-se a Abreu como “um autocrata tão amado como temido” e acusava as engrenagen­s do Sistema de favorecer a corrupção e a injustiça. No mesmo ano, Abreu e Dudamel receberam críticas por ignorarem as manifestaç­ões contra o governo de Nicolás Maduro, aparecendo ao seu lado em uma cerimônia de lançamento do projeto de construção de uma nova sala de concertos.

A resistênci­a do Sistema em dialogar com a situação atual do país talvez seja mesmo a nuvem mais escura a pairar sobre o projeto. Mas condiciona­r a importânci­a do trabalho a esse aspecto soa como uma posição extremada – assim como, de outro lado, defender a ideia de que arte e política jamais devam se misturar. No fundo, faltam nuances a essa discussão, na qual é preciso lembrar também que pensar a arte como elemento de inclusão social não deixa de ser uma forma contundent­e de afirmação política. Abreu acreditava nisso. E talvez seja esse o seu principal legado.

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FRANZ NEUMAYR/EFE – 26/7/2013 Abreu. Falta de posição política inspirou as poucas críticas

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