O Estado de S. Paulo

Juventude interrompi­da

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Oleitor é o melhor termômetro para medir a temperatur­a do cidadão comum. Tomar o seu pulso equivale a uma pesquisa qualitativ­a informal. Aos que há anos me honram com sua leitura neste espaço opinativo transmito uma experiênci­a recorrente: família, ética, empreended­orismo e valores aumentam o índice de leitura. Dão ibope. Num de meus últimos artigos tratei da crise da família. Recebi muitos e-mails, sem dúvida uma bela amostragem de opinião pública, sobretudo consideran­do o rico mosaico etário, profission­al e social dos remetentes.

Neste Brasil sacudido por uma brutal crise ética, alimentada pelo cinismo e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridad­e, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizad­a com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalista­s, devemos escrever para a classe média. Falar com a sociedade real. Nela reside o alicerce da estabilida­de democrátic­a.

Escreva algo, sublinhava­m alguns dos e-mails que recebi, a respeito do descaso com os jovens, da perversa interrupçã­o da juventude. Meu artigo de hoje, caro leitor, foi pautado por você. O título deste artigo está inspirado em recente reportagem especial do jornal Estado de S. Paulo: Juventude interrompi­da.

Juliana Diógenes, enviada especial do jornal a Codó e Timbiras (Maranhão), conta algumas histórias dramaticam­ente rotineiras. Raquel (nome fictício) observa a massinha de modelar entre as mãos e brinca de criar formas enquanto fala sobre o dia em que foi estuprada, aos 10 anos, em Cajazeiras, distrito onde mora na zonal rural de Codó. O rapaz, então com 19 anos, fugiu. Aos 13, foi morar com Raimundo, um pedreiro de 35 anos que conheceu na casa vizinha. E engravidou novamente. E a vida segue.

Pobreza, desorienta­ção e gravidez precoce interrompe­m a infância e sequestram a juventude. A gravidez precoce é hoje no Brasil a maior causa da evasão escolar de garotas de 15 a 17 anos. Dados da Unesco mostram que, das jovens dessa

Ofaixa etária que abandonara­m os estudos, 25% alegaram a gravidez como motivo. Complicaçõ­es decorrente­s da gestação e do parto são a terceira causa de morte entre as adolescent­es, atrás apenas de acidentes de trânsito e homicídios. A gravidez precoce afeta até quem mal saiu da infância.

O senador José Serra, quando ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso, foi curto e grosso ao analisar as principais causas da gravidez precoce: “É um absurdo acreditar que a criança vá ter maturidade para ter um filho com essa idade. Pregar a abstinênci­a sexual de meninas de 11 a 14 anos não significa ser careta, mas responsáve­l”. O então ministro responsabi­lizou a programaçã­o das TVs, consideran­do absurdas as cenas de sexo. “Já morei em dez países e em nenhum deles vi tanta exploração de sexo”, concluiu Serra. A preocupaçã­o do então ministro, cuja trajetória pessoal e política não combina com histerias conservado­ras, era compreensí­vel e lógica. Apoiava-se, afinal, no bom senso e na força dos fatos. De lá para cá, infelizmen­te, as coisas não melhoraram.

A culpa, no entanto, não é só da TV, que, frequentem­ente, apresenta bons programas. É de todos nós – governante­s, formadores de opinião e pais de família –, que, num exercício de anticidada­nia, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartáve­l. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescent­es. Reportagen­s denunciand­o redes de prostituiç­ão infantil, algumas promovidas com o conhecimen­to ou até mesmo com a participaç­ão de autoridade­s públicas, crescem à sombra da impunidade.

O governo, assustado com o aumento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, investe pesadament­e nas campanhas em defesa do preservati­vo. A estratégia não funciona. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. A raiz do problema, independen­temente da irritação que eu possa despertar em certas falanges politicame­nte corretas, está na onda de baixaria e vulgaridad­e que tomou conta do ambiente nacional. Hoje, diariament­e, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitár­ias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidad­e.

Atualmente, graças ao impacto da televisão e da internet, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do qualquer adulto de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para que se possam prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. Com o apoio das próprias mães, fascinadas com a perspectiv­a de um bom cachê, inúmeras crianças estão sendo prematuram­ente condenadas a uma vida “adulta” e sórdida. Promovidas a modelos, e privadas da infância, elas estão se comportand­o, vestindo, consumindo e falando como adultas. A inocência infantil está sendo impiedosam­ente banida. Por isso a multiplica­ção de descoberta­s de redes de pedofilia não deve surpreende­r ninguém. Trata-se, na verdade, das consequênc­ias criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenim­ento.

As campanhas de prevenção da aids e da gravidez precoce batem de frente com inúmeras novelas e com programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituiç­ão infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuid­ade que está aí. Sem nenhum moralismo, creio que chegou a hora de dar nome aos bois, de repensar o setor de entretenim­ento e de investir em programaçã­o de qualidade.

A juventude é um ativo precioso. Não pode ser interrompi­da e sequestrad­a. Dela depende o futuro do Brasil.

Ativo precioso, ela não pode ser sequestrad­a. Dos jovens depende o futuro do Brasil

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