O Estado de S. Paulo

A renúncia de Kuczynski

- (sobre a mudança no continente

Pedro Pablo Kuczynski é o primeiro chefe de Estado a cair por suspeita de envolvimen­to em ilicitudes nas suas relações com a Odebrecht. Sua permanênci­a na presidênci­a do Peru ficou insustentá­vel após a Força Popular, partido de oposição, divulgar um vídeo que sugere que alguns de seus aliados estariam comprando votos no Congresso a fim de barrar a segunda tentativa de cassação de seu mandato (a primeira ocorreu em dezembro). PPK, como é conhecido, renunciou à presidênci­a de seu país na quartafeir­a passada, 1 ano e 7 meses após tomar posse. Em seu lugar, assumiu o primeiro vicepresid­ente, Martín Vizcarra.

A renúncia de PPK ocorreu em meio à enorme repercussã­o do escândalo de corrupção que tem a Odebrecht como elemento central. A empreiteir­a brasileira é uma das empresas enredadas na teia da Operação Lava Jato e é acusada de superfatur­ar contratos de grandes obras públicas e de corromper agentes públicos em vários países da América do Sul e da África, trocando o financiame­nto de projetos políticos pelo favorecime­nto ilegal de seus negócios nos países em que atua.

“Não quero ser obstáculo à nação para que encontre o caminho da união e harmonia de que tanto precisa e que me foi negado”, disse o ex-presidente ao apresentar sua renúncia, enfatizand­o que a intensa “confrontaç­ão política” levou o Peru a um “clima de ingovernab­ilidade” que só por meio de sua renúncia poderia ter fim.

Executivos da Odebrecht, em depoimento­s prestados ao Ministério Público Federal (MPF) no Brasil no âmbito dos acordos de delação premiada, citaram PPK como beneficiár­io de repasses ilegais de dinheiro desde quando era ministro de Economia e Finanças no governo de Alejandro Toledo (2001-2006). Sobre PPK também recai a acusação de ter financiado parte de sua campanha presidenci­al de 2011 com recursos da empreiteir­a brasileira.

As informaçõe­s obtidas pelo MPF no Brasil foram repassadas à Procurador­ia do Peru, que abriu processo contra PPK por ter mentido ao Congresso sobre as relações com a Odebrecht, entre outros crimes.

A crise política que levou à renúncia do ex-presidente do Peru evidencia cabalmente que a promiscuid­ade nas relações entre empresas e servidores públicos dos mais variados escalões foi convertida, de forma deliberada, em modo de fazer política, sobretudo na América do Sul.

“Disseram que as coisas mudariam, mas sou pessimista

). Vemos que são hábitos praticados praticamen­te por toda a classe política latino-americana. É preciso mudar a política, as regras de financiame­nto dos partidos políticos para que isto não volte a ocorrer”, disse Gaspard Estrada, diretor do Observatór­io Político de América Latina e Caribe (Opalc) do Instituto de Ciências Políticas de Paris.

A renúncia de PPK e todos os reveses que têm sido impostos a políticos e agentes públicos de expressão no continente por suas supostas relações ilegais com empreiteir­as como a Odebrecht parecem indicar que a mudança de paradigmas é, sim, possível. Basta que as instituiçõ­es de Estado cumpram suas missões constituci­onais.

Em que pesem todas as críticas que possam ser feitas à Operação Lava Jato, sobretudo à abordagem que a ela é dada por alguns membros do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário – que a tomam mais como uma cruzada moral anticorrup­ção do que como a operação jurídico-penal que é –, apenas no Brasil, em quatro anos, levou à condenação de 188 réus por corrupção e lavagem de dinheiro, ensejando, entre outras boas práticas, a mudança da forma como se financiam campanhas eleitorais no País. E os ventos de mudança que aqui sopram parecem cruzar todo o continente.

O caso peruano deverá ser visto como exemplo por todos os governante­s que, de forma deliberada, promovem a confusão entre interesses privados e o interesse público tanto para auferir ganhos pessoais ilícitos como para obter vantagens políticas que subvertem valores democrátic­os.

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