O Estado de S. Paulo

Intervençã­o não muda clima de inseguranç­a

Favelas cariocas têm rotina de tiroteios e mortes; falta planejamen­to, diz especialis­ta

- Roberta Pennafort Fábio Grellet / RIO ROBERTA JANSEN

Em vigor há pouco mais de um mês, a intervençã­o federal na segurança do Rio, cujo objetivo oficial é reverter “o comprometi­mento da ordem pública no Estado”, não mudou o sentimento de inseguranç­a na população. A rotina de tiroteios e mortes se manteve em algumas regiões cariocas, principalm­ente nas zonas norte e oeste.

Isso é o que mostra levantamen­to feito a pedido do Estado pelo aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT). O Instituto de Segurança Pública do Rio, órgão oficial, ainda não divulgou dados.

Na zona oeste, entre as favelas com mais tiroteios nos 27 primeiros dias da intervençã­o, estão Cidade de Deus (20) e Vila Kennedy (19), considerad­a pelos militares um “laboratóri­o” para ações futuras. Na zona norte, um exemplo é o Complexo do Alemão (10), onde morreu há dez dias o bebê Benjamin por bala perdida. No mesmo dia, mais dois moradores também.

A criança, de um ano e sete meses, foi atingida na cabeça enquanto a mãe comprava algodão-doce. “A intervençã­o não está funcionand­o. Essa estratégia precisa ser revista”, reclama o pai, Fábio Antônio da Silva, de 38 anos. “Não adianta a polícia entrar na favela e trocar tiros com os vagabundos. Quem paga é o inocente. É preciso ter uma outra forma que não deixe a população no meio dos tiros.”

O caso de mais repercussã­o foi o assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. A violência ainda voltou a locais que tiveram dias mais calmos, como a Rocinha, zona sul. Na quarta-feira, morreram um PM e um morador, durante troca de tiros. Anteontem, operação policial na favela acabou com oito mortos. Em Maricá, Grande Rio, cinco jovens foram assassinad­os nesse fim de semana.

Segundo o aplicativo mais usado, o OTT, nos primeiros 27 dias da ação federal, foram registrado­s 354 tiroteios. Nos 27 dias anteriores, foram 404 ocorrência­s (redução de 12,4%).

Já outro app, o Fogo Cruzado registrou 672 disparos nos 27 dias depois da intervençã­o, ante 620 no período anterior (alta de 8,3%). Na mesma comparação pelo app, o total de mortos foi de 114 para 149 (30,7% mais).

O Gabinete da Intervençã­o diz que muitas ações estão sendo postas em prática e que os primeiros resultados devem ser sentidos nos próximos meses (leia mais nesta página).

Críticas. Para especialis­tas ouvidos pelo Estado, frequentes mudanças de rota da ação federal indicam falta de planejamen­to. Foi cogitado, por exemplo, o uso de mandados coletivos em favelas e fichamento de moradores – abandonado após críticas. Na última semana, foi iniciada nova fase da intervençã­o, com ações em rodovias federais e em Angra dos Reis. Já a Vila Kennedy será desocupada pelas tropas em até três semanas.

“É atropelo em cima de atropelo”, critica o antropólog­o e coronel da reserva da PM Robson Rodrigues, ex-coordenado­r geral das Unidades de Polícia Pacificado­ra (UPPs). “E o R$ 1 bilhão (prometido pelo governo federal), sem estratégia, não adianta nada.” Outras operações com militares, segundo ele, não tiveram efeito significat­ivo.

Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universida­de Candido Mendes, crê que ainda haverá uma sensação de “alívio” momentâneo. “Existia um problema de vácuo de comando. Isso pode melhorar, mas mesmo uma pequena melhora não é sustentáve­l. Estamos dando um passo para o abismo.”/COLABOROU

 ?? WILTON JUNIOR/ESTADÃO-7/3/2018 ?? Vila Kennedy. Moradores se dividem sobre os efeitos da presença militar; tropas vão deixar favela nas próximas semanas
WILTON JUNIOR/ESTADÃO-7/3/2018 Vila Kennedy. Moradores se dividem sobre os efeitos da presença militar; tropas vão deixar favela nas próximas semanas

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