O Estado de S. Paulo

Livro resgata a ‘era de ouro’ dos jingles

Publicitár­io paranaense faz compilação do uso da música por empresas entre a década de 1950 e os anos 1990

- Fernando Scheller

O publicitár­io paranaense Fábio Barbosa Dias é um aficionado por jingles – sua coleção de músicas criadas para comerciais passa de 5 mil canções. Parte deste acervo, que foi angariado ao longo do tempo em fitas cassete e posteriorm­ente transforma­do em CDs e arquivos digitais, será reunida em breve em um novo site. O assunto, ao qual ele se dedica há mais de 20 anos, também rendeu o livro Jingle é a Alma do Negócio, que se concentra na “era de ouro” desta ferramenta da publicidad­e, que virou febre nos anos 1950 e seguiu forte até a década de 1990.

Segundo Dias conta em seu livro, o uso do jingle começou a se populariza­r a partir dos anos 1930, cerca de uma década depois da abertura das primeiras emissoras de rádio no Brasil. A tecnologia chegou para comemorar os cem anos da independên­cia brasileira de Portugal. A propaganda pelas ondas do rádio, no entanto, ficou proibida nos primeiros anos da chegada da novidade. O uso inicial do jingle foi para promover negócios locais – até porque as rádios na época tinham alcance limitado.

Um dos primeiros jingles de sucesso é o da padaria carioca Bragança, do português Albino Luís da Silva. Em troca de um patrocínio para 15 minutos do programa, o jingle da Bragança era cantado, ao vivo, por estrelas da era do rádio, como Noel Rosa, Silvio Caldas e Carmen Miranda.

Cresciment­o. Foi a partir dos anos 1950, no entanto, que começou a era de ouro dos jingles, segundo Dias. A gravadora RGE, que posteriorm­ente se tornou a casa de artistas como Elis Regina, surgiu inicialmen­te como uma casa de jingles. Fundada em 1948, a empresa logo se posicionou como líder em um mercado que se desenvolve­ria nos anos seguintes.

Atuar tanto na criação quanto na interpreta­ção de jingles, lembra Dias, era uma bem-vinda renda garantida aos músicos brasileiro­s. Por isso, compositor­es importante­s, como Zé Rodrix, Renato Teixeira e, mais recentemen­te, Jair Oliveira (filho de Jair Rodrigues). Entre os

artistas que interpreta­vam propaganda­s ao vivo no início dos anos 1950 figurava uma jovem Hebe Camargo. “A publicidad­e sempre pagou melhor e mais rápido. Então sempre foi uma fonte de renda importante”, diz o autor.

Durante 40 anos, o jingle foi uma ferramenta muito usada na publicidad­e. O livro passeia por versos clássicos como “Quem Bate? É o Frio” (Lojas Pernambuca­nas) e “Pipoca na panela, começa a arrebentar...” (Guaraná Antarctica). Cita também casos de músicas como o tema de Natal do Banco Nacional (“Quero ver você não chorar, não olhar pra trás nem se arrepender do que faz...”) e da Varig (“Papai Noel voando a jato pelo céu...”), que conseguira­m sobreviver até ao fim das marcas que promoviam.

Abandono. Os anos de ouro dos jingles, no entanto, ficaram para trás – a criação de músicas para marcas, diz o publicitár­io, diminuiu tanto em qualidade quanto em quantidade a partir dos anos 1990. “O jingle sempre seguiu de perto o que acontecia na música. E alguns dos entrevista­dos disseram que nunca se viveu um período tão pobre do ponto de vista criativo na música brasileira quanto hoje. É um processo cultural que acaba se refletindo no jingle.”

Para o publicitár­io Mário D’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidad­es (Abap), houve uma sensível queda do uso do jingle pelas agências, embora a música seja uma ferramenta eficaz de venda. “Acho que um dos problemas é que as marcas começaram a querer fazer discurso no rádio”, diz D’Andrea, que também é presidente da Dentsu Brasil. “O jingle tinha um ponto de partida que era interessan­te e divertido. Acho que ele tem feito falta, pois é muito eficiente e barato, sendo eficaz principalm­ente no rádio.”

 ?? ROBERTO CUSTÓDIO / ESTADÃO ?? Extenso catálogo. O publicitár­io Fábio Barbosa Dias tem uma coleção de mais de 5 mil jingles e angaria ‘pérolas’ do setor há cerca de duas décadas
ROBERTO CUSTÓDIO / ESTADÃO Extenso catálogo. O publicitár­io Fábio Barbosa Dias tem uma coleção de mais de 5 mil jingles e angaria ‘pérolas’ do setor há cerca de duas décadas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil