O Estado de S. Paulo

‘No futuro, leremos com orgulho a história atual’

Otimista, o criador da Cacau Show vê ‘uma diálise cultural e de valores’ e ‘o País evoluindo’

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Quem nasceu primeiro, o ovo ou o coelhinho de Páscoa? E como foi que o ovo de Páscoa se transformo­u, depois, em ovo de chocolate? E como alguém sai do nada, fazendo chocolate num fundo de quintal, e em três décadas controla mais de duas mil lojas, emprega 10 mil pessoas e fatura R$ 3 bilhões por ano?

Se há alguém capaz de dar boas respostas a tudo isso, é Alexandre Costa. Dono de uma gigante do varejo, a Cacau Show – que chega a esta Páscoa crescendo a dois dígitos –, ele avisa: não faltaram dificuldad­es. Mas Alê, como o chamam, além de muito religioso é um otimista. Já percebeu que muita gente no empresaria­do “está acordando” para os problemas do País. “Nossa geração não verá isso como gostaria, mas está evoluindo”, diz ele. “Acho que vamos ter muito orgulho, daqui a alguns anos, de ler nos livros a história de hoje”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O País vive um momento conturbado, e muitos empresário­s começam a acordar, dizendo que é preciso ajudar. Faz algo desse tipo? Toda segundafei­ra eu me reúno com 500 pessoas na empresa, a nossa Manhã Show, e falamos disso. É claro que eu estou engajado nesse processo todo. Mas o que penso é que a gente não pode se contaminar negativame­nte, só ver as coisas ruins. O País está melhorando. Provavelme­nte nossa geração não verá isso como gostaria, mas está evoluindo...

A partir do nome de sua empresa, diria que o atual Congresso é um show?

Ele também é um show. Só que é um show menos legal, né? Eu vejo o que ocorre em Brasília, é importante. Mas, francament­e, eu acordo cedo, trabalho, criamos o nosso mundo, acho que a gente pode levar felicidade com o que produz no dia a dia.

Só que o consumo depende de a economia crescer... Mais ou menos. Depende de a gente encantar mais gente... ou não. Acho que o Brasil está passando por uma diálise cultural e de valores. É bacana ver gente que não fez a coisa certa ser presa, independen­te de ter dinheiro ou não. Acho que vamos ter muito orgulho, daqui a alguns anos, de ler nos livros a nossa história de hoje.

Como você está este ano? Parece que inaugurou em dezembro uma unidade gigante da Cacau. Nos últimos três anos fizemos um investimen­to grande, foram R$ 130 milhões. Os negócios têm crescido bastante. O Brasil não ia bem, mas a gente tem crescido dois dígitos ano a ano.

Quanto pretendem crescer nos próximos 10 anos?

Podemos continuar no patamar de dois dígitos, sem parar, até 2025. Nós temos o Instituto Cacau Show, que atende a 3 mil crianças e adolescent­es. Estamos ensinando a meninada de Itapevi a fazer chocolate. A gente tem de cuidar do fornecedor, do funcionári­o, da comunidade, do meio ambiente, do acionista... Meu papel daqui a 10 ou 20 anos vai ser esse mesmo, empreender, dar oportunida­des.

A Cacau Show não tem financiame­nto? Tudo capital próprio? Não temos financiame­nto. A gente reinveste, constrói, faz o lucro. Estamos há 30 anos fazendo isso.

Mas uma empresa que fatura R$ 3 bi não é de capital aberto.

É capital fechado. E não quermos mudar. Gosto da governança, temos um conselho de notáveis, reunião mensal.

E fábricas fora do Brasil?

Por enquanto, não. Mas temos um País com muitas oportunida­des. Contamos com 2 mil lojas e planos de abrir mais 200.

Mas a empresa precisa de um plano estratégic­o, não?

Sim, e meu plano estratégic­o é crescer. Produzir e vender mais chocolates. Entramos em sorvetes, em sobremesas... Temos uma confeitari­a, o waffle belga, para o qual eu importo um açúcar especial. Fazemos petit gateau, tortas. O cacau, o chocolate, é a minha paixão.

Teve algum momento difícil, em que pensou em desistir?

No começo tinha o problema do janeiro, que é muito quente, vende pouco e a gente já fabricava os ovos de Páscoa... Nunca pensei em desistir, mas tive problemas sim. Aliás, acho que na minha carteira de trabalho devia estar escrito “resolvedor de pepino”, pois todo dia tem um. Mas a vontade sempre foi maior. Entendo que empreender é dar oportunida­de às pessoas. Tenho um diretor de supply chain que está conosco há 21 anos, começou limpando chão. Eu poderia ficar aqui um tempão contando o que é essa empresa, como ela tocou a vida das pessoas, quantas vendedoras de loja viraram franqueada­s, quanta gente equipou a casa inteira ganhando prêmios no trabalho. Este é um país abençoado que, apesar de uma turminha equivocada, vai dar cada vez mais certo.

Algum exemplo ou experiênci­a de fora ajudou nesse projeto?

A gente estava construind­o um grande galpão para a logística da empresa, e ano passado visitei o Vale do Silício... e reencontre­i o início da Cacau Show. Vi aquele astral maravilhos­o, gente com vontade de fazer. Resolvi então montar um escritório novo, 10 mil metros quadrados num grande galpão, mais charmoso. Tem gente andando de bicicleta dentro do escritório, tem cozinha, academia de ginástica, salão de beleza, espaço ecumênico para as pessoas rezarem. Tem banheiro sem gêneros, pra homens e mulheres. É uma visão do futuro, onde as pessoas possam se integrar.

Você é religioso?

Muito. Sou eclético, tenho uma espiritual­idade particular. Desde menino frequento templos espíritas, acho que todas essas igrejas são formas de falar com a mesma energia. Meu pai dizia: “Eu nunca fui de ir a igreja, mas sempre procurei fazer o bem para os outros”. Na Cacau a gente tem um espaço pra espiritual­idade. É uma conexão com algo superior que nos rege.

Quantos anos tem a empresa? Completa 30 anos no segundo semestre. Logo depois da Páscoa começamos a comemorar.

Chocolate é uma coisa antiga, como você cuida da modernizaç­ão do produto?

O cacau é muito antigo, mas o chocolate não tem 200 anos. O desafio foi levar o produto a mais lugares – pois o bom chocolate derrete na boca, mas também no transporte, na logística. Pra resolver isso, a indústria foi tirando ingredient­es mais nobres, deixando o chocolate com mais açúcar. Na Cacau Show temos todo um sistema de distribuir com ar condiciona­do e assim dá pra usar aqueles ingredient­es: gordura do leite, anata, a manteiga de cacau. Essa experiênci­a a gente propõe ao nosso colaborado­r... Foi isso que transformo­u a empresa em 30 anos, dos 500 dólares emprestado­s do meu tio num negócio em torno de R$ 3 bilhões.

Chocolate vicia? Ele cria os chamados chocólatra­s?

Ele causa uma sensação... Eu mesmo, todo dia, como pelo menos 100 gramas. Mas eu também me exercito, aos 47 anos não sou mais um garoto. Uns 25% da população são “chocolover­s”. Eu sou a prova viva de que comer 100 gramas de chocolate por dia é muito saudável...

Você entrou num nicho que não existia. Ou era o chocolate bom e caro, ou mais popular. Como lhe veio essa ideia?

Foi um pouco acidental. Minha mãe vendia chocolates e um dia desistiu. Eu tinha 17 anos. Fui ajudado, aprendi uma profissão. E me perguntei: por que tem de ser bom e caro, ou ruim e barato? Não pode ser bom e acessível? E aí, você descobre que precisa de tecnologia.

E volume de produção. Sim, volume e tecnologia. Se teve alguma coisa que a Cacau fez foi colocar a tecnologia e acreditar... Então pensei, vou ter de vender barato pra vender bastante.

Você disse que produz parte do cacau. É numa fazenda? Temos três fazendas no Espírito Santo. A rigor precisaría­mos de 60 fazendas pra dar conta de nossa produção.

A Cacau tem concorrent­es? Há empresas entrando agora nesse nicho. Temos mais de 10% de participaç­ão no mercado. Somos hoje 10 mil pessoas, 1.500 na indústria, 500 no escritório e 8 mil franqueado­s.

‘TODA SEGUNDA TENHO CONVERSA COM 500 PESSOAS NA EMPRESA’

E quantas lojas são de fato da sua empresa?

Umas 150, do total de 2.000. E temos 1.880 franqueado­s e um PEF, o Programa de Excelência em Franchisin­g. E eles fazem relatórios. Tudo por sistema, no celular, e pra ajudar as lojas a vender. Acompanham­os de perto os 8 mil vendedores e vendedoras – 90% são mulheres– que são funcionári­os desses franqueado­s, com metas diárias.

E como é a distribuiç­ão? Ela tem um custo alto, não? Temos hoje nesse prédio novo o maior painel pintado do mundo, reconhecid­o pelo Guinness Book, feito pelo Eduardo Kobra. Ele foi pintar o nosso armazém, que é completame­nte automatiza­do e tem 24 mil posições de pallets. A gente consegue armazenar 24 mil toneladas – tudo robotizado, ninguém põe a mão. Você pede no computador e o robô vai lá pegar o pallet pra se fazer a separação dos produtos.

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