O Estado de S. Paulo

Michel Temer

- MICHEL TEMER PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Hoje não se aplica mais a letra da lei, disputam-se espaços para saber quem vai ganhar. Perde o País.

Há que resistir. Em nome do Estado Democrátic­o de Direito. A Constituiç­ão brasileira não mencionou apenas Estado Democrátic­o ou Estado de Direito. São, praticamen­te, sinônimos. Assim fez para dar ênfase à democracia, às liberdades individuai­s, à conduta pautada pela rigorosa observânci­a dos ditames jurídicos. Eis a mensagem da nossa Constituiç­ão: não pode haver desvio desses princípios fundamenta­is, sob pena de resvalar no autoritari­smo, venha de onde vier.

Essas menções são dirigidas, especialme­nte, aos órgãos do poder. São eles o Executivo, o Legislativ­o e o Judiciário, que o exercem em nome do povo. Note-se: exercem. Não são donos dele. Para exercer é preciso seguir os valores postos na Carta Magna. Dentre esses valores há uns maiores do que outros. Os maiores são aqueles aos quais o constituin­te deu maior relevo jurídico. São as chamadas cláusulas pétreas, que não comportam modificaçã­o, nem mesmo por emenda à Constituiç­ão. Federação, separação de Poderes, voto direto, secreto e universal com valor igual para todos e direitos e garantias individuai­s são as que devem servir de norte para a interpreta­ção das demais normas constituci­onais e para todo o sistema jurídico. Dessas todas, a que mais revela a ideia de Estado Democrátic­o de Direito é a referente aos direitos e garantias individuai­s, fórmula conectada com a afirmação constituci­onal de que o Estado deve preservar “a dignidade da pessoa humana”.

Faço essas consideraç­ões preliminar­es para indagar: será que o nosso sistema de atuação governamen­tal atende a esses pressupost­os e determinaç­ões? Penso que não. Trago à baila o meu caso. E registro: fiz do Brasil um país em forte recuperaçã­o econômica, administra­tiva e institucio­nal. A economia, apenas repetirei, deu um salto imenso, saindo da profunda recessão em que o País estava mergulhado quando assumi o governo. Em outros setores da administra­ção pública, o mesmo sucesso: na educação, na saúde, na agricultur­a, no meio ambiente, na integração nacional, no turismo e nos esportes. Conquistas e mais conquistas, na economia e na administra­ção. Ainda nesta última, a recuperaçã­o das estatais e a absoluta lisura, nelas, da conduta administra­tiva. Só para exemplific­ar, veja-se o que aconteceu com a Petrobrás e com o Banco do Brasil, cujos ações e valor patrimonia­l aumentaram significat­ivamente.

No campo institucio­nal, os Poderes funcionam regularmen­te, sendo certo que, pela primeira vez, o Executivo governa juntamente com o Legislativ­o. Este deixou de ser um apêndice do Executivo, para se tornar um parceiro na arte de governar. Daí as conquistas havidas neste governo, que, convenhamo­s, não é de quatro ou oito anos, mas de menos de dois anos. O Judiciário, de igual maneira, cumpre as suas funções sem nenhuma interferên­cia externa.

Apesar de todas essas afirmações, nem sempre se cumpre a ideia inicialmen­te posta referente ao Estado Democrátic­o de Direito.

Vamos ao meu caso: gravouse uma conversa de um empresário no ano passado. Criticou-se o fato porque estava fora da agenda e foi à noite. Devo dizer que, pelo meu hábito pessoal e parlamenta­r, às vezes são marcadas cinco audiências e eu recebo 20 pessoas ou setores. E tudo isso das 8 da manhã à meia-noite, quase que diariament­e. Mas o pior é que se inventou uma frase que teria sido dita na gravação e que dela não consta.

Outro ponto que quero ressaltar é o ocorrido recentemen­te referente a um decreto que regulament­a a lei cujo objetivo foi modernizar o sistema portuário. Alegou-se que, embora existisse uma centena de empresas alcançadas pelo decreto, eu teria dedicado todo o meu tempo, esforço, meu coração, minha alma e meus gestos administra­tivos a beneficiar uma única empresa desse setor. Pois bem, essa foi uma das únicas que não se beneficiar­am do teor do decreto. Não são palavras. É a certidão do Ministério dos Transporte­s, depois de feitas as discussões por mais de seis meses que antecedera­m a edição do decreto, que afirmou: a referida empresa não foi beneficiad­a em nenhum de seus contratos.

Sentindo que o objeto inicial de inquérito não seria atingido, buscou-se apanhar um fato ocorrido nos idos de 1998, 1999, gerador de inquérito que fora arquivado em 2001 por absoluta falta de provas e por desmentido­s feitos nos autos, o qual, depois, ainda voltou a ser arquivado em 2011, em face de uma provocação inadequada de sua abertura. Arquivamen­to proposto pela Procurador­ia-Geral da República e realizado no Supremo Tribunal Federal.

É esse inquérito que querem agora trazer à luz, ao fundamento de que durante 20 anos nos servimos dos supostos benefícios advindos do Porto de Santos. Esquecem-se de que durante muitos desses 20 anos fui oposição ao governo, não podendo desfrutar quaisquer benesses. Benesses que jamais postulei nem procurei, como inúmeras vezes demonstrad­o.

Para tentar obter provas levam à prisão, para depor, pessoas que estão à disposição para qualquer depoimento. As quais, aliás, já depuseram e, ao fazê-lo, desmentem a tentativa que setores pretendem praticar para incriminar o presidente da República. É uma atitude incompatív­el com os postulados básicos do Estado Democrátic­o de Direito. Porque hoje não se aplica mais a letra da lei, mas disputam-se espaços para saber quem vai ganhar. Quem perde é o País e, tanto quanto ele, as liberdades individuai­s. Hoje é o presidente da República, amanhã será outro – e outros.

Por tudo isso, prezado leitor, dirijo-me a todos para dizer que resistirei. Não apenas em função da minha honorabili­dade, vilipendia­da irresponsa­velmente ao longo do tempo, mas, sim, em nome dos meus longos anos de aprendizad­o democrátic­o e de culto ao Direito nos mais de 30 anos em que dei aulas de Direito Constituci­onal.

Hoje não se aplica mais a letra da lei, disputam-se espaços para saber quem vai ganhar. Perde o País

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