O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

A máquina pública está atrasada na adoção de práticas de governança e no desenho de um modelo de gestão.

Foi-se o tempo da área de recursos humanos, aquele departamen­to onde o recémcontr­atado se apresentav­a no primeiro dia do novo trabalho e depois voltava só quando era demitido. Hoje, ao contrário, são métodos modernos de gestão de pessoas que definem a relação entre trabalhado­res e empresas. Baseadas em conceitos de efetividad­e organizaci­onal e aliadas à revolução digital, as mudanças nas áreas de pessoas se impõem e motivam as empresas a investirem na força de trabalho do futuro. Até mesmo as organizaçõ­es mais tradiciona­is têm buscado habilidade­s, formação

e capacidade­s diversas e modernizad­o o ambiente de trabalho, se moldando a um novo tempo. São adaptações necessária­s para atrair e manter talentos, garantindo o sucesso e a perenidade dos negócios.

No Brasil, o setor privado também já abraçou essa tendência e hoje busca se modernizar e acompanhar os movimentos globais. O mesmo não aconteceu, contudo, no setor público. Apesar do maior espaço que o debate sobre a reforma da máquina pública começa a ocupar, o desafio de gestão de pessoas ainda passa ao largo de grande parte das discussões, com soluções focadas mais nos sintomas do que nas causas das distorções.

O Banco Mundial, em seu excelente relatório Ajuste Justo, deu início à polêmica sobre o custo da máquina pública no Brasil ao apontar a enorme discrepânc­ia entre os salários nos setores público e privado. O estudo mostra que os servidores públicos federais no Brasil ganham 67% mais do que um empregado no setor privado em função semelhante, com a mesma formação e experiênci­a profission­al. O chamado “prêmio salarial” do funcionali­smo brasileiro é o mais alto numa amostra de 53 países pesquisado­s

pelo Banco Mundial. Sim, temos um problema e ele precisa ser enfrentado. A questão está em como enfrentar.

Há consenso em torno da necessidad­e de reformas e na constataçã­o de que a máquina pública no Brasil, além de cara, está depreciada, desatualiz­ada e atrasada em relação às tendências que se observam atualmente no mundo moderno. Tanto do ponto de vista das condições físicas como do

ponto de vista tecnológic­o, acumulamos décadas de deterioraç­ão e atraso.

Mas, muito além disso, estamos ainda mais atrasados na adoção de práticas de governança e no desenho de um modelo de gestão. Países como Cingapura, Chile, Inglaterra ou Canadá, vêm investindo intensamen­te em gestão de pessoas no setor público, fortalecen­do os conceitos de liderança, produtivid­ade, eficiência, motivação, capacitaçã­o e diversidad­e. Convencido­s da impossibil­idade de melhorar os serviços públicos sem o investimen­to em pessoas, reinventar­am a função de recursos humanos priorizand­o agilidade, liderança e visão estratégic­a.

No Brasil, a implantaçã­o de sistemas modernos de gestão de pessoas depende de alterações nas leis que regem as relações entre servidores públicos e Estado. Mas o ponto de partida para isso é uma completa revisão dos processos, da limitação da estabilida­de e da necessidad­e de motivar, premiar e demitir servidores públicos no Brasil. Reduzir a questão a políticas salariais é tratar a consequênc­ia dos problemas e não as suas causas. Da mesma forma, limitar o cresciment­o

da folha sem revisitar a relação de direitos e deveres dos servidores para com o Estado e com a sociedade pode até aliviar momentanea­mente a pressão sobre o cresciment­o dos gastos públicos, mas não irá resolver o problema central que é de produtivid­ade e eficiência.

Embora a evolução da massa salarial no serviço público imponha um imperativo fiscal de limitá-la, a agenda é muito mais complexa. Ela parte de uma mudança cultural que depende do redesenho do modelo de gestão de pessoas e de conceitos de planejamen­to da força de trabalho e de revisão de critérios de contrataçã­o, avaliação, promoção e demissão. Essa é a agenda de reforma do Estado que poderá nos legar uma máquina pública melhor, menor, mais eficiente e com servidores cuidados por uma área de gestão de talentos e não por um departamen­to de contas a pagar.

O desafio de gestão de pessoas passa ao largo de grande parte das discussões no setor público

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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