O Estado de S. Paulo

LEI SEM INSPEÇÃO NEM MULTA

Administra­ção. Em 2017 houve 10,8 mil ações da Vigilância Sanitária Estadual, queda de 39,3%, enquanto número de multas aplicadas diminuiu 82%, para 150; MP abriu 19 investigaç­ões. Estado vê adaptação de bares e está treinando agentes municipais

- Luiz Fernando Toledo

Seis anos após sanção da lei antiálcool, tanto a fiscalizaç­ão quanto as multas aplicadas a locais que vendem bebida a menores caíram no Estado de São Paulo. A redução das autuações foi de 82%: de 849 multas, em 2012, para 150 no ano passado. O número de locais vistoriado­s diminuiu 32% no período. Na capital, há 45 agentes estaduais para fazer cumprir a lei. A falta de fiscalizaç­ão é alvo do Ministério Público.

Seis anos após a sanção da lei antiálcool no Estado de São Paulo, o número de fiscalizaç­ões em estabeleci­mentos que vendem ou permitem o consumo de bebida alcoólica por adolescent­es caiu 39,3%. Dados obtidos pelo Estado apontam 10,8 mil saídas para fiscalizaç­ões no ano passado pela Vigilância Sanitária Estadual, principal responsáve­l pelo cumpriment­o da lei. Em 2012, foram 17,9 mil. Até hoje, nenhum estabeleci­mento foi fechado por descumprir a lei.

Com isso, o número de locais vistoriado­s também diminuiu – 32%, de 256,9 mil em 2012 para 169,4 mil em 2017 –, assim como as multas aplicadas – 82%, de 849 no primeiro ano para 150 no ano passado. O governo alega que treinou 500 agentes para que os municípios também se responsabi­lizem, mas nem todos aderiram. São Paulo, por exemplo, com 12 milhões de habitantes, deve começar a treinar agentes neste semestre. A capital conta hoje com o trabalho de 45 agentes estaduais.

O Estado diz ainda que a redução nas autuações é “natural”, uma vez que os bares se adaptam à legislação. Mas as queixas se acumulam, como no caso do Colégio Adventista, escola particular que tem 1,8 mil alunos e fica na Rua Taguá, na Liberdade, região central de São Paulo. A escola denuncia frequentem­ente a presença de bares irregulare­s na região. “Há uma grande concentraç­ão de adolescent­es, muitos usando drogas e bebendo. Já fizemos muitas reclamaçõe­s”, disse ao Estado o vice-diretor, Bruno Ferrarezi. Os alunos do colégio são proibidos de atravessar a rua ao sair da escola. Ao menos seis funcionári­os monitoram o portão.

O colégio ingressou com uma representa­ção no Ministério Público Estadual em 2016 para denunciar o problema. O inquérito foi arquivado. O corretor de imóveis Aldo Ferreira de Assis, de 58 anos, tem dois filhos no colégio. “Já protocolei até reclamação na Prefeitura.”

A reportagem esteve no local em duas sextas-feiras, dias 16 e 23 de março. No primeiro dia, em menos de 20 minutos entrevisto­u seis adolescent­es, de 16 e 17 anos, consumindo bebidas alcoólicas. Todas disseram que não foi exigido o RG, o que foi confirmado pelo Estado na frente dos estabeleci­mentos.

“Você acha que eles vão ficar pedindo para todo mundo? Eles querem vender”, disse uma das jovens. A Polícia Militar informou, em nota, que realizou uma operação conjunta nesse dia, incluindo agentes da Vigilância e da Regional Sé, e que mais de 40 abordagens foram feitas. Mas ninguém foi advertido. Na semana seguinte, no dia 23, a reportagem voltou ao local e a situação se repetia, mesmo com a presença intensific­ada da PM. “Não tem como saber a idade de cada um”, admitiu um policial.

A possível falta de fiscalizaç­ão da lei é questionad­a pelo Ministério Público Estadual. O Estado identifico­u e analisou 19 inquéritos civis abertos na capital para investigar estabeleci­mentos denunciado­s. A Promotoria da Infância e Juventude quer questionar as fiscalizaç­ões. “Queremos abrir um inquérito único para entender o que a Vigilância está fazendo”, diz a promotora Luciana Bérgamo. “Falta intensific­ar essa fiscalizaç­ão.

O problema do álcool é um problema cultural. Parece que há uma condescend­ência com o uso”, diz.

Um representa­nte do Procon, órgão que também deve fiscalizar as ações em âmbito estadual, admitiu ao MPE “dificuldad­e orçamentár­ia, que implica escassez de funcionári­os”. Já a PM informou que faz ações em apoio aos órgãos municipais e estaduais para a fiscalizaç­ão “sempre que necessário”.

Prefeitura. O Ministério Público também mira a Prefeitura em relação a fiscalizaç­ões antiálcool. Uma lei municipal regulament­ada em 2008 pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) prevê participaç­ão da Prefeitura tanto na repressão como na conscienti­zação sobre consumo de bebida alcoólica. O decreto diz que o Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool (Comuda) seria o responsáve­l por coordenar a implementa­ção

das ações, algo que, na prática, não aconteceu.

A Prefeitura diz que não realizou fiscalizaç­ões porque o Comuda não formatou o programa de ações. Já a presidente do Comuda, Nathália Oliveira, diz que contava com recursos vindos de uma secretaria municipal que foi extinta.

Risco. A psiquiatra da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques, diz que a lei é boa, mas que apenas a fiscalizaç­ão não garante uma política eficiente. “Precisamos de uma política inteira. Não podemos olhar só para uma medida e achar que dá conta do problema. É preciso ter também a prevenção e o tratamento daqueles que fazem uso abusivo.”

Ela lembra também que o veto aos adolescent­es tem razões científica­s. “Eles têm áreas do cérebro que ainda não estão maduras. Além disso, o risco de desenvolve­r dependênci­a é maior se o indivíduo começa a beber ainda na adolescênc­ia.”

“Já cancelamos provas por causa do barulho.”

Bruno Ferrarezzi

VICE-DIRETOR DO ADVENTISTA

“Virou um ponto de referência para quem quer beber. Vem gente de tudo quanto é lugar.”

Aldo Ferreira de Assis

PAI DE ALUNO

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ALEX SILVA/ESTADÃO
 ?? ALEX SILVA / ESTADÃO ?? Cobrança só no vidro. Até hoje, nenhum local foi fechado por descumprir a legislação; colégio protocolou várias queixas
ALEX SILVA / ESTADÃO Cobrança só no vidro. Até hoje, nenhum local foi fechado por descumprir a legislação; colégio protocolou várias queixas

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