O Estado de S. Paulo

Sobre a política fiscal

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Oquanto mudou a gestão da política fiscal nos últimos anos? Uma forma de ver essa questão é analisar a evolução do resultado primário do setor público consolidad­o, o qual pode sugerir uma política fiscal frouxa no período recente, uma vez que desde 2015 o governo vem registrand­o déficits relevantes, em torno de 2% do PIB.

Outra forma de ver a questão, a qual prefiro, é ver como mudou a trajetória das despesas públicas no período. De 1997 a 2014, as despesas primárias da União (que excluem o gasto com os juros da dívida) cresceram, em média, 6,3% ao ano acima da inflação. Em 17 anos, as despesas reais da União quase triplicara­m.

De 2015 para cá a trajetória mudou radicalmen­te. Tomando-se por base as despesas primárias da União corrigidas pela inflação, os gastos em 2017 estão praticamen­te no mesmo nível de 2014, tendo registrado uma pequena queda de 0,3%. Há, claramente, um esforço de contenção de despesas por parte do governo federal.

É verdade que em períodos anteriores também houve momentos de contenção de gastos, com quedas reais em alguns anos. No entanto, estes sempre foram movimentos temporário­s, com o controle das despesas em um ano sendo seguido por forte expansão no ano seguinte. Entre 1997 e 2014, em nenhum momento o cresciment­o real das despesas primárias da União acumulado em três anos (período compatível com a variação 2014-2017) foi inferior a 9,5%.

Os últimos três anos têm configurad­o o período de política fiscal mais restritiva desde meados dos anos 1990 e, muito provavelme­nte, desde a Constituiç­ão de 1988. Com o teto à expansão dos gastos introduzid­o pela Emenda Constituci­onal 95 (que estabelece­u que até 2026 as despesas primárias da União não poderão crescer acima da inflação) é provável que a política fiscal restritiva se prolongue por muitos anos. No entanto, há um consenso de que este teto só será respeitado se for aprovada a reforma da Previdênci­a, além de outras medidas duras de contenção de despesas.

Pode-se criticar o atual modelo de gestão fiscal – seja por basear o ajuste fiscal apenas na contenção de despesas (mas a alternativ­a seria a elevação de receitas), seja por realizar grande parte do ajuste por meio do corte de investimen­tos –, mas é inegável que a trajetória anterior de expansão dos gastos era insustentá­vel e que algo precisava ser feito. Mesmo que seja inviável cumprir o teto dos gastos no modelo atual, é essencial que haja um limite para a expansão das despesas que impeça o cresciment­o ao ritmo anterior, de mais de 6% ao ano acima da inflação.

A mudança na trajetória fiscal provavelme­nte afeta também a política monetária. É muito provável que a forte expansão dos gastos públicos seja uma das principais razões para os juros reais extraordin­ariamente altos que caracteriz­aram o Brasil nas últimas décadas. Ainda que a queda recente da inflação e das taxas reais de juros se deva também a outros fatores, em particular à queda do preço dos alimentos e à elevada ociosidade da economia, é provável que a mudança na trajetória fiscal explique parte deste desempenho. Deste ponto

Há um consenso de que o teto dos gastos só será respeitado se for aprovada a reforma da Previdênci­a

de vista, a manutenção de uma expansão nula, ou mesmo moderada, dos gastos públicos por um período prolongado abriria espaço para uma mudança estrutural da política monetária brasileira, reduzindo a diferença entre as taxas de juros de nosso país e o padrão internacio­nal.

Acredito que a mudança no modelo de gestão fiscal introduzid­o no País no período recente influencia­rá de forma decisiva a trajetória do País nos próximos anos. Mesmo que o atual modelo possa ser aperfeiçoa­do, se houver uma compreensã­o dos benefícios que uma trajetória de expansão moderada dos gastos pode trazer para a gestão macroeconô­mica terá sido um grande avanço para a discussão de políticas públicas no País. Tal compreensã­o ajudaria também a entender por que a reforma da Previdênci­a é tão importante (além de justa, como já discutido em artigos anteriores).

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