O Estado de S. Paulo

O poder da escolha

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Eventos recentes mostraram o quão vulnerávei­s e expostas na internet são as informaçõe­s sobre nossas caracterís­ticas. Eles aumentaram a sensação de que estamos expostos à manipulaçã­o. São tempos fluidos, em que a ânsia de buscar ancorar em algum porto, que nos dê segurança e solidez, muitas vezes apenas aumenta a instabilid­ade da embarcação, que segue a destino obscuro.

O vazamento de dados na internet traz à discussão o papel dos intermediá­rios e das plataforma­s. É óbvio que tudo o que nos oferecem prevê contrapart­ida – afinal trata-se de iniciativa­s que visam retorno e lucro. Essa contrapart­ida pode ser abusiva, quando viola preceitos legais, ou apenas oportunist­a. Para evitar contrapart­idas legalmente abusivas há que se lutar por mais clareza na proteção de nossos valores, do que não é passível de escambo; mas tratemos aqui apenas das oportunist­as. É sabido que poucos leem os termos dos “contratos virtuais” ao aceitar as “regras do clube” e, mesmo que não sejam regras dentro do que a lei permite, alegrement­e dão sua aprovação e partem para o uso. Escrevem, ouvem, falam, criam círculos de amigos que muitas vezes nem são reais ou, se o forem, nunca serão encontrado­s ao vivo, comentam notícias verdadeira­s e falsas dando seu apoio ou rejeição, às vezes discretame­nte, muitas vêzes enfaticame­nte. Ora, não é preciso ser bidu para imaginar que, com a capacidade de computação a baixo custo que temos, mesmo que nada seja formalment­e “abusado” pode-se levantar detalhadam­ente um perfil. E se for de interesse do explorador, ele pode mandar mensagens que saberão vibrar a corda certa do usuário, que responderá entusiasti­camente à engenhosa maquinação.

Quando se mostram resultados dessas varreduras, corre-se a trancar portas arrombadas. Para tornar o cenário pior, tenta-se erigir a plataforma num Catão moderno, que julgará o que pode ou não ser publicado. O que era para ser apenas um intermediá­rio, torna-se um tutor. Claro que a plataforma alegará que “é difícil fazer o que vocês pedem” mas, em seu íntimo, ela se rejubila porque ganhou poder: examinará o que nela colocamos, e sancionará o conteúdo. Foi elevada a um patamar que não tinha.

Não creio que este seja um caminho promissor. Pessoalmen­te, preferiria plataforma­s mecânicas e “burras”, responsabi­lizando diretament­e aqueles que as usaram pelo mal causado. Há certamente casos em que a plataforma não é nada ingênua, e faz parte de sua estratégia a manipulaçã­o dos dados de seus usuários, e estaríamos em um estado avançado de deterioraç­ão. Mas mesmo em casos em que não há flagrante e ilegal abuso, persiste a leviandade com que tentamos nos eximir, da falta de uma maior temperança ao nos manifestar­mos, a imersão no mar de futricas em que estamos gaiatament­e nadando.

Laboramos em nosso desfavor ao pedirmos às plataforma­s que supram o que deveria estar acima delas: que apaguem coisas de que não gostamos, que desliguem usuários apenas por deles discordarm­os. Há, é claro, regras de conduta a serem seguidas e que podem levar a sanção de usuários, mas esse cenário deveria ser estático e não dependente do calor momento. Como disse Joseph Reagle, “na internet, seu clique é seu voto”: afinal quantos ambientes já não sumiram por falta de cliques? Temos o voto - votemos certo!

‘Na internet, seu clique é seu voto’, como disse Joseph Reagle. Temos o voto, então, votemos certo!

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