Vírus da zika pode eliminar tumor cerebral
Estudo mostra que mecanismo que causa problemas como a microcefalia também permite ataque seletivo a células do cérebro com tumor
Pesquisadores da USP mostram que os mesmos mecanismos que dão ao vírus da zika a capacidade de causar problemas neurológicos graves, como a microcefalia, também permitem que ele ataque células de câncer no cérebro.
Um estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostra que a zika é capaz de infectar e matar as células de tumores cerebrais com grande eficácia, sem causar danos às saudáveis. De acordo com os autores, os mesmos mecanismos que dão ao vírus a capacidade de causar problemas neurológicos graves, como a microcefalia, também permitem que ele ataque seletivamente as células de câncer no cérebro.
Realizada por cientistas do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, sob coordenação da geneticista Mayana Zatz, a pesquisa teve seus resultados publicados ontem na revista científica Cancer Research, da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer. Segundo Keith Okamoto, autor principal do estudo, pesquisas anteriores já haviam mostrado que o vírus da zika tem uma grande afinidade com as células do sistema nervoso central, em especial as célulastronco neurais, que dão origem aos neurônios. Assim, quando um feto é infectado, o vírus ataca seu sistema nervoso em formação e reduz drasticamente a quantidade de células-tronco neurais, causando problemas como a microcefalia.
Por outro lado, segundo Okamoto, estudos feitos pelo grupo da USP sobre tumores do sistema nervoso central mostravam que as células que compõem esses tumores têm características
semelhantes às das célulastronco neurais e estão ligadas ao processo de disseminação do câncer – a metástase. “Essas células tumorais são especialmente
resistentes aos tratamentos convencionais como quimioterapia e radioterapia. Por isso decidimos investigar se o vírus da zika, que infecta células-tronco normais, poderia também infectar e matar as células tumorais que têm características de células-tronco”, disse ao Estado.
Para realizar a pesquisa, os cientistas infectaram com zika células humanas derivadas de dois tipos de tumores cerebrais que afetam especialmente crianças de até 5 anos: meduloblastoma e tumor teratóide rabdóico atípico. Segundo Okamoto, os tumores do sistema nervoso central são os mais frequentes em crianças e adolescentes.
O procedimento também foi feito com células de câncer de mama, de próstata e de intestino. “O estudo mostrou que o vírus da zika de fato possui afinidade com as células do sistema nervoso central. O mesmo não ocorreu com os tumores de mama, próstata e intestino. Observamos também que o vírus não foi capaz de infectar os neurônios maduros”, explicou Okamoto.
O estudo brasileiro também mostrou que, depois de atacar as células-tronco tumorais, o vírus da zika não consegue se reproduzir com eficiência – o que evitaria que os pacientes tratados contra o câncer ficassem doentes com a infecção viral.
Futuro. O estudo também teve a participação de pesquisadores do Instituto Butantã. Para a realização de ensaios clínicos em humanos ainda será necessário obter o vírus purificado, em quantidades maiores, e produzido conforme as rígidas regras para testes em seres humanos. O Instituto Butantã já forneceu os vírus para essa etapa. Apenas depois disso será possível criar um protocolo para aplicação em pacientes.