Parteira trouxe à luz milhares de bebês de extremistas
Samira vive em Raqqa, na Síria, e fez o parto de incontáveis mulheres do Estado Islâmico nos últimos quatro anos
A parteira Samira al-Nasr trouxe milhares de bebês ao mundo em Raqqa, na Síria. Mas nada como o parto que fez dois anos atrás, quando trabalhava coagida para o Estado Islâmico. Os pais, um casal turco – um combatente do EI e sua jovem mulher – tentaram pôr no recémnascido um uniforme militar que haviam encomendado. O pai dizia que a criança se tornaria um militante. Samira ficou revoltada. Conseguiu convencê-lo a desistir, dizendo-lhe que o tecido era áspero demais para a pele delicada do bebê.
Samira, de 66 anos, está entre os milhões que viveram sob o domínio do EI. Ela, porém, testemunhou um lado da militância que talvez ninguém tenha visto. Samira trouxe à luz incontáveis bebês de famílias do EI, acompanhando os momentos mais íntimos de suas vidas.
Encarregada do nascimento de “crianças do califado” desde 2014, Samira atendia a chamadas quase ininterruptamente. Durante os três anos em que era levada de táxi por homens armados para casas de famílias do EI, as emoções iam do medo ao desamparo. Não havia nada de alegria e orgulho ao fazer os partos. “Eles não tinham respeito por minha profissão”, disse. “Eu era considerada uma simples ferramenta, não alguém encarregada de vidas. Após fazer o parto, era quase que enxotada da casa.”
Os próprios filhos do “califado” também eram tratados como acessórios. Eram personagens centrais dos vídeos de propaganda que mostravam crianças estudando textos islâmicos ou treinando com armas.
As mães ficavam eufóricas após o parto e abraçavam os bebês antes mesmo de o cordão umbilical ser cortado. Elas também murmuravam palavras de prece, louvando as mães no Islã. Os maridos proibiam Samira de dar às mulheres analgésicos ou remédios. Algumas passavam dez horas em trabalho de parto sem ajuda de opioides ou do relaxamento muscular que ela proporcionava.
Os homens alegavam que os medicamentos violavam a tradição religiosa e, em seu lugar, recitavam platitudes sobre como as mulheres seriam recompensadas por Deus por seu sofrimento. Elas, obedientemente, concordavam. “Eles não confiavam nos remédios oferecidos por mim, alguém de fora de seu círculo”, disse. “Não me deixavam dar um copo de água se o próprio marido não enchesse.”
Samira tentou não trabalhar para o EI, mas as consequências eram claras: prisão ou execução em praça pública. Seu marido, professor de árabe aposentado, foi preso por tentar mediar um conflito entre a polícia de costumes e um vizinho acusado de violar o código moral do EI. “Que escolha eu tinha?”, questionou. No fim, o EI ainda arrecadava com os partos. O normal custava US$ 20. A cesariana, US$ 50.
Frustração • “Eu era considerada uma simples ferramenta, não alguém encarregada de vidas” Samira al-Nasr
PARTEIRA DO ESTADO ISLÂMICO