Trabalho em equipe
Marco legal regulamentado há
2 meses permite a figura do ‘pesquisador empreendedor’ e dá segurança para que universidades e empresas trabalhem juntas pela inovação
Após dois meses da regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Decreto 9.283 de 7/2/2018), a expectativa de representantes da academia e do mercado é de que a distância entre o conhecimento produzido nas universidades e sua transformação em riqueza seja superada.
Com base na lei, a iniciativa privada, os institutos de pesquisa, membros da academia e instituições públicas de ensino podem trabalhar juntos para colocar no mercado a produção científica de ponta, que até então corria o risco de ficar perdida dentro dos laboratórios.
Sócio e líder de pesquisa avançada na empresa que desenvolve soluções de inteligência artificial Kunumi, além de membro da Academia Brasileira de Ciências, Nivio Ziviani afirma que o marco legal dá segurança jurídica para que os envolvidos nesse ecossistema atuem em conjunto.
“O artigo 4º, resumidamente, diz que as universidades públicas ficam autorizadas a ter participação minoritária no capital social de empresas, na forma de usufruto, o que as deixa protegidas de possíveis passivos, por exemplo”, conta.
O professor destaca o artigo 11º da lei. “Ele cria uma espécie de licença para que surja o ‘pesquisador empreendedor’, ao permitir que ele participe da geração do conhecimento e do empreendimento transformador que aplicará tal conhecimento.”
Segundo ele, iniciativas desse tipo podem ajudar a manter os pesquisadores no País. “É uma forma de oferecer um trabalho nobre para mestres e doutores, que ajudarão nossa economia criando empreendimentos inovadores, que geram grande riqueza.”
Ziviani lembra que as universidades têm propriedade intelectual sobre o conhecimento produzido dentro delas e diz que o artigo 37º do marco legal trata da cessão dessa propriedade, mediante compensação financeira ou não financeira, que pode ser a participação no capital social da empresa. “Poder ceder esse conhecimento é uma maneira de fazer com que a inovação aconteça na prática.”
Outro artigo destacado pelo professor é o 6º, que permite à iniciativa privada criar laboratório de inovação dentro de um departamento da universidade, para trabalhar temas reais de mercado, como forma de incentivar a interação entre empresas e universidades.
Segundo ele, a Kunumi já trabalha em conjunto com a academia. “Incentivamos o desenvolvimento de pesquisas dentro da universidade, inclusive, a Federal de Minas Gerais é nossa sócia. O equilíbrio foi obtido com remuneração e ações da empresa aos pesquisadores da UFMG. Nossas universidades têm grande potencial de transformar a economia do País”, afirma.
Na Oestec Business Security, que desenvolve software para o mercado de segurança da informação, a cultura de inovação é
incentivada por meio do Inova Lab, em atividade desde o final do ano passado.
“Criamos o laboratório para mobilizar o ecossistema no qual estamos inseridos. O espaço é aberto para o mercado. Somos uma germinadora que auxilia empresas em estágio muito inicial para que tenham taxa de sucesso maior quando forem incubadas e aceleradas”, diz o CEO, Cassio Brodbeck.
Ele conta que o negócio nasceu dentro da incubadora GeNESS, vinculada à Universidade Federal de Santa Catarina, instalada dentro do Centro Empresarial para Elaboração de Tecnologias Avançadas, que tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catariana.
“Tivemos o privilégio de passar por esse processo de incubação, entre 2005 e 2007. Criar o laboratório é uma forma de colaborar e retribuir a oportunidade que tivemos no passado.”
Ele afirma que no Brasil não é possível que uma pessoa que não esteja inserida na academia possa usar seus centros de pesquisa. “Por isso, muitas empresas estão criando seus próprios laboratórios, como forma de sustentar seu próprio crescimento. Espero que o marco legal realmente aproxime empresas e universidades e que dessa troca possamos gerar produtos inovadores.”
O coordenador da incubadora Midtec e diretor executivo da Associação de Empresas de Tecnologia de Santa Catariana, Gabriel Sant’ana, afirma que nas principais economias do mundo o relacionamento entre mercado e academia é próximo.
“Os professores são estimulados a empreender e fechar parceria com empresas. Aqueles que não cumprem essa meta, fatalmente, não se mantêm na universidade, porque parte do salário deles é pago com recursos vindos desses projetos.”
Segundo ele, esse tipo de iniciativa aproxima quem está produzindo conhecimento de alto nível e qualidade às demandas reais do mercado. “No Brasil, a principal maneira de avaliar um professor de universidade pública é por meio dos artigos publicados. É uma forma importante, mas considero pobre.”
Sant’ana acredita que para o marco legal avançar será necessário ocorrer mudança cultural. “Essa legislação vem auxiliar para que isso ocorra. No Brasil, ainda existe muita burocracia por parte das universidades para que essa aproximação ocorra. Em muitos casos, o professor que cria outras fontes de receita a partir de projetos não é bem visto pela comunidade.”