O Estado de S. Paulo

O escândalo pelo escândalo

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AHistória recente é pródiga em cruzadas antipolíti­ca, como se a política partidária fosse um mal em si e não o pilar da democracia. Os resultados dessa campanha não são alvissarei­ros.

Há 1 ano e 3 meses, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o acordo de colaboraçã­o premiada firmado entre a Procurador­ia-Geral da República (PGR) e 78 executivos do Grupo Odebrecht. O acordo levou à Corte Suprema 83 inquéritos abertos pela PGR contra 108 autoridade­s com foro especial por prerrogati­va de função, o chamado foro privilegia­do.

De lá para cá, a dita “delação do fim do mundo”, chamada assim pelo número de delatados e pelo quilate das posições que ocupam (ou ocupavam) nos Poderes Executivo e Legislativ­o, andou pouco para fazer jus à alcunha hiperbólic­a. Só um dos investigad­os se tornou réu, o senador Romero Jucá (MDB-RR). Ele responde por corrupção e lavagem de dinheiro por supostamen­te ter pedido e recebido R$ 150 mil em troca de favorecime­nto da Odebrecht na tramitação de duas medidas provisória­s em 2014.

O caso da delação premiada da Odebrecht é paradigmát­ico do momento por que passa o País. Importa mais o holofote lançado sobre determinad­os membros do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e até do Poder Judiciário do que os resultados que as investigaç­ões e eventuais denúncias possam produzir para o avanço institucio­nal do Brasil. É a era do escândalo por si só, um pernicioso método de atuação de alguns agentes públicos que, ao fim e ao cabo, buscam lançar suspeitas contra toda a chamada classe política para, desta forma, apresentar­em-se à Nação como uma classe distinta de servidores, os únicos moralmente capazes de sanear o País.

Imbuídos por este espírito purificado­r da vida nacional, que flerta com o messianism­o, não importa a consistênc­ia de indícios e provas, bastam as “boas intenções” de determinad­os policiais, procurador­es e juízes. As eventuais ofensas à honra e à reputação dos acusados sem elementos que sustentem as acusações entram para a conta dos danos colaterais “aceitos” em nome da batalha pela moralidade pública. Resta saber a quem serve tal método de atuação. Ao Brasil não é.

O caso da delação do Grupo Odebrecht é o mais emblemátic­o, mas não é o único. Com base na Lei de Acesso à Informação, o Estado obteve os dados de 3.018 inquéritos abertos entre 2013 e 2017 para apurar os crimes de concussão e corrupção ativa e passiva no âmbito da Polícia Federal. Do total, 1.729 inquéritos foram concluídos (57%). Destes, apenas 473 (27%) levaram ao indiciamen­to de pelo menos um dos investigad­os. Prisões temporária­s ou preventiva­s só ocorreram no curso de 282 inquéritos (16%). No entanto, todos os acusados, indistinta­mente, tiveram suas vidas devassadas e, muitas vezes, arruinadas, e suas reputações, enxovalhad­as.

O dado mais revelador dessa sanha punitiva que move uma parte da Polícia Federal e do MPF é o número de inquéritos que foram concluídos sem indiciamen­to: 1.256 dos 1.729. Ou seja, 73% das investigaç­ões da PF sobre corrupção entre 2013 e 2017 resultaram em nada. Um inquérito é encerrado sem indiciamen­to quando a polícia não reúne provas suficiente­s para indicar a materialid­ade de um crime, vale dizer, a sua ocorrência e a autoria.

A subprocura­dora-geral da República Mônica Galdino, coordenado­ra da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, disse ao Estado que em muitos casos as denúncias “chegam sem dados que permitam confirmá-las ou a suspeita é infundada ou irrelevant­e”.

A incúria de alguns procurador­es, que fazem denúncias apressadas e sem fundamento­s plausíveis, em nada contribui para a efetiva melhora da qualidade da representa­ção política no Brasil.

A História recente é pródiga em exemplos de cruzadas antipolíti­ca, como se a atividade político-partidária fosse um mal em si mesma, e não o pilar da democracia representa­tiva. Os resultados dessa campanha não são alvissarei­ros.

Parte-se da premissa de que a política será regenerada por meio da ação de uns poucos servidores públicos corajosos e abnegados, e não pelo voto dos cidadãos. É fundamenta­l que haja servidores assim, mas quando driblam a lei em nome de uma causa, seja ela qual for, todos perdemos.

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