O Estado de S. Paulo

‘Big brother’ de bicho. Pesquisado­res instalam câmeras para monitorar animais na Amazônia.

Ciência. Equipament­os de vídeo e áudio instalados na Reserva de Desenvolvi­mento Sustentáve­l Mamirauá, no coração do Amazonas, são capazes de identifica­r espécies por conta própria, sem ajuda do homem; por enquanto, sistema consegue reconhecer 40 animais

- Herton Escobar

A era do “big brother” chegou de vez à Amazônia. Cientistas registrara­m no mês passado as primeira imagens e sons da biodiversi­dade amazônica captados por uma rede de câmeras e microfones escondidos na selva da Reserva de Desenvolvi­mento Sustentáve­l Mamirauá, a 600 quilômetro­s de Manaus.

Chamado Providence, o projeto é uma tentativa de automatiza­r e acelerar o processo de monitorame­nto da fauna brasileira, por meio de equipament­os de áudio e vídeo capazes de detectar e identifica­r espécies por conta própria, em tempo real, sem a necessidad­e de intervençã­o humana.

“A ideia surgiu de uma problemáti­ca que enfrentamo­s na Amazônia há muito tempo”, diz o pesquisado­r Emiliano Ramalho, do Instituto Mamirauá, que coordena o projeto. “A floresta está sendo derrubada rapidament­e, mas os métodos tradiciona­is de monitorame­nto não nos permitem obter respostas rápidas sobre o que está acontecend­o com a biodiversi­dade.”

Normalment­e, o monitorame­nto de fauna na floresta depende da realização de estudos de campo, em que os cientistas entram na mata para registrar espécies in loco, diretament­e, ou da utilização de “armadilhas fotográfic­as”, câmeras automática­s, com sensores de movimento, que fazem fotos ou vídeos quando um animal passa na frente delas.

As câmeras do Providence, chamadas “módulos visuais”, não só registram a imagem do animal como identifica­m a espécie, por meio de um software especial. São alimentada­s por energia solar, produzida por painéis fotovoltai­cos instalados no topo das árvores, e não é necessário recuperar nem trocar cartões de memória – os dados são enviados em tempo real para os pesquisado­res, via satélite, rádio ou Wifi. “A expectativ­a é de que o sistema seja 100% autônomo”, explica Ramalho.

Nessa primeira fase de testes, que vai até junho, o sistema está “treinado” para reconhecer cerca de 40 espécies, incluindo aves, mamíferos e répteis. Há também os “módulos acústicos”, que reconhecem as espécies por meio do som – por exemplo, o canto de uma arara ou o urro de um macaco.

Os cientistas passaram o mês de março instalando os equipament­os na mata – dez módulos de áudio e vídeo terrestres, além de um módulo aquático no Rio Amanã, para identifica­ção acústica de botos.

O primeiro registro “oficial” do projeto foi de um macacopreg­o com filhote, no fim de março. “A parte de transmissã­o dos dados ainda é um desafio, mas de uma forma geral o sistema está funcionand­o muito bem”, relata Ramalho. Cooperação. O projeto é uma parceria do Instituto Mamirauá (vinculado ao governo federal) com a Csiro, agência de pesquisa do governo da Austrália (que inventou o Wifi), e o Laboratóri­o de Bioacústic­a Aplicada (LAB) da Universida­de Politécnic­a da Catalunha, na Espanha, com financiame­nto de US$ 1,2 milhão da Gordon e Betty Moore Foundation.

Se tudo der certo, Ramalho já sonha com o dia em que haverá câmeras e microfones como esses espalhados por toda a Amazônia, “espiando” a biodiversi­dade da floresta de forma sistemátic­a e contínua. “Queremos saber como a biodiversi­dade está sendo alterada pelas mudanças climáticas, pelo desmatamen­to e pelas obras de infraestru­tura”, diz. “E queremos saber isso rapidament­e.”

O número de espécies identificá­veis pelo sistema pode ser muito maior; basta “ensinar” o programa a reconhecê-las.

“É uma proposta sensaciona­l”, diz o pesquisado­r Carlos Joly, especialis­ta em biodiversi­dade da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenado­r da Plataforma Brasileira de Biodiversi­dade e Serviços Ecossistêm­icos (BPBES).

Se funcionar em Mamirauá, diz Joly, a tecnologia poderá ser útil não só no resto da Amazônia como nos outros biomas brasileiro­s. “Pode ser uma ferramenta importantí­ssima para, por exemplo, avaliar a eficácia de áreas protegidas e das estratégia­s de conservaçã­o de espécies ameaçadas.”

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FOTOS: JOÃO CUNHA/INSTITUTO MAMIRAUÁ Em campo. Emiliano Ramalho e Michel André, do LAB
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Módulo visual. As câmeras são autônomas: detectam o animal, fazem a imagem e identifica­m a espécie
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Ação. Imagem de 2012 é semelhante às que são obtidas

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