O Estado de S. Paulo

Os fins, os meios e os fins dos meios

- BERNARD APPY

Estou triste com a prisão de Lula. Não apenas pelo que ele representa para a história do Brasil, mas também porque fui próximo do PT por muitos anos, até meu afastament­o do governo, em 2009. Minha aproximaçã­o ao partido deveu-se não apenas a uma identifica­ção com a agenda social e o foco na parcela mais pobre da população, mas também porque achava que o PT era o melhor caminho para mudar a forma de fazer política no Brasil. Obviamente eu estava errado.

O impeachmen­t de Dilma Rousseff, e mesmo a prisão de Lula, são a consequênc­ia da opção feita pelo PT de governar seguindo o modelo já estabeleci­do de cooptação de partidos com os quais não possuía nenhuma afinidade ideológica e de financiame­nto, do próprio PT e de seus aliados, a partir de relações nada republican­as com empreiteir­as e outras empresas.

Para o PT, os fins – a redistribu­ição de renda, a redução da pobreza e, é claro, a própria permanênci­a do partido no poder – justificav­am os meios, ou seja, a aliança com o PMDB e com o centrão e a distribuiç­ão entre os partidos da base de cargos que davam margem a práticas corruptas.

O que o PT talvez não tenha considerad­o adequadame­nte eram os fins dos meios. Se a aliança com o centrão era funcional para o PT, a aliança com o PT também era funcional para os partidos do centrão, cujo objetivo sempre foi o de perenizar sua participaç­ão no poder, por meio da ocupação de cargos que garantiam o financiame­nto de suas campanhas e o enriquecim­ento de seus membros.

A partir de certo momento, o PT tornou-se disfuncion­al para o centrão. Isso ocorreu em parte por conta do reforço da capacidade investigat­iva do Ministério Público e da Polícia Federal (por meio, por exemplo, da regulament­ação da delação premiada), o que obviamente colocava em risco um modelo de sustentaçã­o política baseado em corrupção. Mas foi o resultado também da desastrosa gestão da política econômica do governo Dilma que levou a uma grave crise econômica e à perda de qualquer apoio por parte do empresaria­do.

As consequênc­ias são bastante conhecidas. Dilma Rousseff sofreu o impeachmen­t e foi substituíd­a por um governo com uma agenda prómercado que, na esperança de boa parte dos políticos (mas felizmente não na prática, até agora), poderia aplacar o ímpeto investigat­ivo dos órgãos de combate à corrupção.

Meu objetivo, ao contar essa história muito simplifica­da e incompleta (tarefa para a qual não estou preparado, pois não sou cientista político), é menos falar do passado e mais advertir para os riscos do futuro.

Para boa parte da sociedade (em particular do empresaria­do e dos economista­s) os fins continuam justifican­do os meios. Muitos estão dispostos a aceitar um governo baseado nas velhas práticas políticas do País – ou, o que é pior, um governo de perfil antidemocr­ático e até mesmo fascista – se este for o custo de uma boa agenda econômica.

É inegável que o Brasil necessita de uma agenda de reformas que garantam a sustentabi­lidade das contas públicas (como a reforma da Previdênci­a) e que aumentem o potencial

Se a aliança com o centrão era funcional para o PT, a aliança com o PT também era funcional para o centrão

de cresciment­o do país (como a reforma tributária). Mas não podemos aceitar quaisquer meios para alcançar esses objetivos.

Como a história recente demonstrou, é preciso ter muito cuidado com os fins dos meios, pois são esses que realmente valerão no longo prazo. Se seguirmos aceitando práticas políticas não republican­as, ainda que vinculadas a uma boa agenda econômica, é certo que no futuro teremos um governo corrupto, mas não necessaria­mente uma economia eficiente. Se admitirmos a eleição de um candidato antidemocr­ático por conta de sua agenda econômica liberal, certamente nos arrepender­emos, pois para esse candidato a agenda liberal não é um fim, mas apenas um meio de chegar ao poder.

Quando partimos da premissa de que os fins justificam os meios, muitas vezes descobrimo­s que, no desfecho, os meios devoram os fins.

ECONOMISTA, FOI SECRETÁRIO EXECUTIVO E SECRETÁRIO DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA (2003-2009)

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