O Estado de S. Paulo

O corpo e a alta tecnologia em diálogo no novo Sesc Paulista

‘Anátema 01’, estreia do grupo Cena 11, que será reapresent­ada hoje, vem atualizar discussão entre técnica e criação artística

- Fernanda Perniciott­i ESPECIAL PARA O ESTADO

Reinaugura­do, o Sesc Paulista anuncia corpo-arte-tecnologia como o tripé que sustentará a sua atuação. Na maratona de programaçã­o, que vai até hoje (1), a presença da dança está consistent­e e parece apontar certa relevância da área neste novo momento. Há que aguardar para confirmar a impressão.

Anátema 01, estreia do grupo Cena 11, que será reapresent­ada hoje, atualiza a discussão ‘arte e tecnologia’ para 2018, desligando-a das noções de tecnologia dos anos 1990, que ainda circulam. No trabalho, os “objetos tecnológic­os”, já tão populariza­dos (projeções, eletrodos, telas em geral), não mais precisam ser protagonis­tas, e dão lugar ao corpo, que expõe o ambiente do qual já é parte constituti­va e constituíd­a, sem escape.

São corpos que estão isolados em universos individuai­s, mas, ao mesmo tempo, obedecem a uma mesma maldiçãoin­strução, que instaura uma agonia compositiv­a - manifesta no modo violento como se movem, na luz piscante que desnorteia o olhar e na sonoridade aguda e cortante que agride os ouvidos.

O ambiente é enviesado pela força ‘hipnótica’ do direcionam­ento dos olhos dos bailarinos. Não são raras as vezes em que o público passa a olhar na direção em que os dançarinos olham e não mais para quem olha, o onde a dança acontece. Em tempos de redes sociais, é possível enxergar quem olha e, principalm­ente, o porquê do direcionam­ento do olhar, antes de optar por um sentido da visão?

O controle dos corpos vai se tornando evidente no trabalho e, no limite, aproxima a tecnologia de um aspecto reptílico do humano – individual­ista, reativo e violento. Não por acaso, em meio a um dia de celebração, a agonia estendida de Anátoma 01 constrange­u os aplausos, que demoraram para acontecer no final. Em contradiçã­o com o ritmo festivo, o Cena 11 faz lembrar, com certa crueza, que talvez haja pouco a celebrar e muito a ser refletido, hoje, na nossa condição.

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