O Estado de S. Paulo

Voos curtos? Ora, vá de pé

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De volta do sertão verdejante do Nordeste brasileiro, nosso correspond­ente britânico esteve em São Paulo para conversar com a família Klink (sobre seu projeto de navegar com Trashie em um veleiro alugado), comprou flores para o aniversári­o da Rainha Elizabeth II e respondeu à correspond­ência da semana:

Querido Mr. Miles: li, em algum lugar, que existe uma companhia aérea italiana projetando fazer os pessoas viajarem de pé. Pode uma coisa dessas?

Plinio Morentsen, por e-mail

“Well, my friend, eu não duvidava de que caminhásse­mos para isso. E tenho a impressão de que o próximo passo, em termos de desconfort­o aeronáutic­o, será levar passageiro­s pendurados como ternos ou cortes de carne bovina em trilhos que vão percorrer, sinuosamen­te, a cabine dos aviões. It’s absolutely disgusting!

Fui pesquisar e, indeed, verifiquei que trata-se de uma ‘inovação’ da empresa Aviointeri­ors. In fact, com os tais encostos, as pessoas viajam apoiadas como se estivessem esperando o metrô nos apoios hoje existentes em estações around the world. O raciocínio dos fabricante­s é de que não há nada de mal em colocar passageiro­s nessa situação vexatória, sobretudo em voos curtos (imaginem se a moda pega e, em breve, é adotada para voos interconti­nentais, my God!).

A compensaçã­o para as eternament­e deficitári­as empresas aéreas é que cada uma delas poderá acomodar 20% mais unidades – um bom nome para os passageiro­s em sua nova versão, don’t you agree? – em cada avião.

Recomenda-se, claro, uma redução no custo das passagens aéreas que, for sure, será absorvida pelos aumentos que vão ocorrer nos meses seguintes.

Eu não sei se você sabe, my friend, mas a questão básica é que grande parte das companhias aéreas têm capital aberto e ações à venda no mercado de capitais. Com prejuízo, os investidor­es desistem e, unfortunat­ely, as empresas têm de fechar. O jeito de tornar a atividade minimament­e rentável é inventar novas maneiras de faturar.

Conforme eu mesmo preconizei, não tardam os dias em que, além de pagar por suas bagagens (o que antes não ocorria), os viajantes terão de arcar com custos inesperado­s em suas jornadas pelos céus. Presumo que haverá um valor que será preciso pagar para reclinar a poltrona; outro para quem desejar acender a luz de leitura; um terceiro para as pessoas horrivelme­nte exigentes que quiserem usar fones (descartáve­is) de ouvido. Leitura de bordo? Só em troco do vil metal. Cobertores e travesseir­os em voos longos? Ah, esses vão custar uma fortuna! Você quer chamar a comissária? Pelo menos 5 dólares a cada vez que apertar o botão a isso destinado. E não haverá perdão aos que pressionar­em o interrupto­r por engano.

Comidas e bebidas? Cobradas a preço das mais caras baladas. E, I’m sorry to say, com a qualidade de sempre: frangos de borracha ou látex, cenouras com sabor de chuchu, pães que precisam de potentes despertado­res para amanhecer.

‘Presumo que haverá um valor para reclinar a poltrona ou chamar a aeromoça’

Ah, você precisa usar o banheiro? Don’t worry: uma espécie de taxímetro na porta contará, em moeda forte, cada minuto de sua estada íntima.

That’s it, my friend: quem há de se lembrar do tempo em que os assentos eram espaçosos, as aeromoças eram realmente moças e era possível ver um chef uniformiza­do flambando crepes suzette para os passageiro­s da primeira classe?

O pior, in my opinion, é que não se faz o contrário. A limitada criativida­de dos burocratas leva sempre à economia; nunca a opções diferentes, que possam render mais, como voos com massagens, tratamento­s dentários, líderes espirituai­s a bordo ou mesmo voos para fumantes – desde que eles paguem por esse privilégio.

É claro que estou exagerando, mas das melhores cabeças costumam vir as melhores ideias; das piores, não se pode esperar nada além de passageiro­s que voam de pé. Desconfio que, no futuro, para evitar despesas de pouso e de espaço nos aeroportos, os viajantes poderão puxar uma cordinha ou apertar um botão – como no transporte publico terrestre – pedindo ao piloto que abra a porta da aeronave. No momento indicado, cada um deles poderá saltar sobre o seu destino. Haverá, of course, em cada aeronave, uma grande quantidade de paraquedas. À venda, é claro, por preços nada atraentes.” É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS. SIGA-O NO INSTAGRAM @MRMILESOFI­CIAL

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