Celso Ming
Há mais de 40 ações na Justiça contra a decisão do governo de tabelar os fretes.
Há mais de 40 ações na Justiça contra o tabelamento dos fretes, decisão do governo que integra o pacote que colocou um fim à greve dos caminhoneiros.
Até agora, foram publicadas duas tabelas. A primeira foi revogada, a segunda está em vigor, mas, por ser considerada inviável, uma terceira já está em consulta pública. Esta é uma rosca sem fim. É impossível consenso, um acordo, um meio-termo ou a expressão que se queira usar para isso.
É acordo impossível porque em qualquer frete as condições tendem a ser muito diferentes em relação a outro frete. Algumas dessas diferenças são contempladas na tabela, como extensão do percurso, número de eixos do caminhão e alguma qualidade da carga, como carga a granel, carga líquida, cargas especiais e cargas perigosas.
Mas outras não são. Uma coisa, por exemplo, é rodar 600 quilômetros nas excelentes rodovias paulistas, como a Bandeirantes, a Ayrton Senna, a Castelo Branco ou a Imigrantes. E outra, muito diferente, é rodar pelas tremendamente esburacadas e perigosas rodovias do interior do País. O transporte em condições climáticas ideais pode ser bem mais barato do que o feito no meio do lamaçal ou em temporada sujeita a quedas de barreiras. Como contemplar essas diferenças num tabelamento uniforme que valha para o Brasil inteiro, faça chuva ou faça sol?
Mas esta nem é a questão principal. Frete é preço e todo preço está sujeito à lei irrevogável da oferta e da procura. A situação geral desse segmento no Brasil já é de mais oferta do que de procura, é de mais caminhão e menos carga, em consequência de políticas que não são para serem analisadas aqui. E, no entanto, em todo o território nacional há situações e momentos em que esse desequilíbrio se acentua, ou pela concentração de caminhões ou pela falta deles.
São fatores que naturalmente vão para o frete. Tentar uniformizar tudo é sandice. Pretender que uma tabela elimine as diferenças é outra.
Exigir que uma tabela impossível de ser observada, como ficou dito, seja regulada pela letra de lei é, também, sujeitar tudo a uma fiscalização que coíba as infrações, também impossível de funcionar. O resultado será ou a prática de descontos que furem a tabela ou a proliferação de imposições de quem pode mais e chora menos.
O cumprimento apenas formal de algum tabelamento poderá descambar para corrupção, para pagamentos informais, “turismo de carga” e, daí, para lavagem de dinheiro – tudo o que já andou de mãos dadas com a corrupção que se quer eliminar.
Para o governo, despachar a solução desses conflitos nas instâncias da Justiça pode ser considerado providencial alívio. Mas essa transferência de responsabilidades traz outras distorções.
Começa por empurrar para o Judiciário práticas simples de negociação entre as partes. É, outra vez, meter o Estado no meio de negócios particulares. E é mais um jeito de levar o Judiciário a produzir leis próprias, portanto, a assumir funções do Legislativo. Como cada juiz pensa uma coisa, haverá centenas de decisões também diferentes, sujeitas às contestações já conhecidas.
Ou seja, a previsibilidade que os caminhoneiros pretendiam assegurar quando deflagraram a greve e impuseram como condição o tabelamento dos fretes, fica ainda mais precária do que estava antes.