A Dama dos palcos
Assisti recentemente à estreia do imperdível espetáculo “Bibi, uma vida em musical”. Minha admiração, que já era grande, só cresceu ao ver sua história familiar, profissional e amorosa desenrolarem-se no palco. Foi escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães e tem direção geral de Tadeu Aguiar. Bibi é brilhantemente interpretada pela atriz paulistana Amanda Acosta e o ator Chris Penna “encarna” Procópio Ferreira. O musical percorre todas as fases da vida de Bibi, da escolha do seu nome, sua preparação para os palcos, as inesquecíveis realizações – Gota d’Água, My Fair Lady, Alô Dolly e Piaf –, seus casamentos, até sua chegada à Broadway, aos 90 anos. Ela nasceu em junho e, embora a data de seu aniversário gere controvérsias, ela o comemora no dia 1º.
“Não consigo lembrar de mim fora de um teatro”. É assim que Bibi Ferreira, 96 anos, quase 80 como atriz, cantora, diretora e produtora, se descreve. Filha do renomado ator Procópio Ferreira e da corista e bailarina espanhola Aída Izquierdo, ela imprimiu sua marca nas artes cênicas do Brasil. Ao contrário do que se imagina, teve muita influência da mãe em sua carreira, e não apenas do pai. Ela entrou no palco pela primeira vez aos 24 dias de nascida, pelas mãos da madrinha Abigail Maia – de quem herdou o nome –, substituindo uma boneca desaparecida pela contrarregragem do espetáculo.
Estimulada pela mãe, desde de pequena dedicou-se a estudar muito: música, dança, francês, inglês. Aos 7 anos, participou do elenco de várias óperas no Teatro Municipal do Rio. Aos 10, tocava um pouco de piano, incluindo composições próprias, e violino, tendo mais tarde tocado o instrumento com a orquestra sinfônica. Na juventude assistia a tudo: adorava cinema e teatro.
Começou a carreira aos 18 anos por um convite quase impositivo do pai, que sempre reforçou a ideia de que ela teria que ser a melhor atriz do Brasil. “Quero que você participe de uma comédia que estou montando”, convidou Procópio, que havia escrito um papel especialmente para a filha. Em 1944, também incentivada por seu pai, abriu sua companhia de teatro, a Companhia de Comédias Bibi Ferreira.
À luz de seus depoimentos e de seu percurso, muitas vezes espinhoso, Bibi nos ensina algumas lições. Uma delas é a diferença entre ser atriz antigamente e hoje. Antes, elas escolhiam o texto, produziam, dirigiam e estrelavam os espetáculos realizados por suas companhias de teatro. Eram protagonistas e o centro de tudo. Hoje, escolhem o texto, produzem e estrelam, mas não dirigem, tornando-as mais dependentes. E certamente competências como trabalhar em equipe, relacionamento interpessoal e cooperação são mais requeridas nos tempos atuais.
Outro ponto é que, por mais excitante e glamourosa que seja uma carreira, ela também pode ser árdua, exigindo resiliência e persistência. Ela ensina que todo dom deve ser burilado e requer estudo, preparo e aprendizagem permanentes. É essencial ser profissional, trabalhar com conhecimento adquirido, com ciência.
O medo de errar, de esquecer, talvez a tenha tornado tão disciplinada. Disciplina, sempre! Esse é o caminho sem o qual não se obtêm resultados satisfatórios. A prática de Bibi, de assistir a várias atrações artísticas, certamente contribuiu para seu olhar apurado e superexigente, garantindo competências extras de direção. Bibi também sempre proclamou que o espetáculo era para o público, ou seja, tem o foco do cliente.
Desafios a movem. Sonhos? Sempre grandes demais. “Meu sonho sempre foi real: a vida e a sobrevivência”, afirma a atriz do alto de suas nove décadas de existência. E vida com propósito. Bravo!