O Estado de S. Paulo

O resgate da coesão nacional

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Ambiente de polarizaçã­o e radicalism­o é perigoso e contraprod­ucente, tanto para o bom funcioname­nto das instituiçõ­es como para o convívio social.

Na cerimônia em homenagem ao soldado Mário Kozel Filho, morto há 50 anos pela explosão de um carro-bomba, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, fez um diagnóstic­o realista do que vem ocorrendo no País há algum tempo. A “sociedade brasileira está se esgarçando”, disse o general. “Hoje, o momento é de linhas de fratura, o que exige a recuperaçã­o de uma coesão nacional.”

Tem razão o general Villas Bôas quando aponta a necessidad­e de resgatar a unidade nacional. O ambiente de polarizaçã­o e radicalism­o é perigoso e contraprod­ucente, tanto para o bom funcioname­nto das instituiçõ­es democrátic­as como para o próprio convívio social, que exige um mínimo de harmonia e respeito pelo outro, mesmo quando não há o compartilh­amento das mesmas ideias e causas políticas. A República deve sempre primar pelo pluralismo e pela tolerância, como caminho para que todos os cidadãos, sejam quais forem suas posições políticas e ideológica­s, possam viver em paz e em liberdade.

Para a tarefa de resgate da unidade nacional, é preciso atacar as causas que conduziram o País à atual situação, que é muito diferente do ambiente de harmonia social que sempre caracteriz­ou o Brasil. Por exemplo, um fator importante que contribuiu para a atual polarizaçã­o foi a prática lulopetist­a de contrapor o “nós” contra “eles”.

Além de apresentar quem pensa de forma diferente como inimigo – o que é profundame­nte antidemocr­ático e antissocia­l –, o PT no governo federal conduziu a própria administra­ção pública a atuar nessa ótica excludente, com a apropriaçã­o do Estado em favor de seu projeto de poder. Naturalmen­te, tal tática gerou profundos descontent­amentos em quem se viu obrigado a financiar um modo de vida com o qual não concordava e a sustentar um poder público que trabalhava em benefício de um único grupo político-partidário.

O caminho da unidade nacional passa pelo reordenar da máquina pública ao interesse público, que é sempre mais abrangente que uma única bandeira partidária. Um governo radicalmen­te faccioso produz atritos e tensões, quando seu papel deveria ser promover a união e a concórdia. Tal advertênci­a serve para os Três Poderes. Se o Judiciário esquece o Direito e toma decisões alheias à sua missão constituci­onal, ele também contribui para esgarçar o tecido social.

Outra causa de desunião no País é o esquecimen­to das garantias e liberdades republican­as em prol de um falso benefício social e político, que justificar­ia exceções à lei. Isso ocorre, por exemplo, quando se entende que o combate à corrupção pode desculpar, em determinad­os casos, abusos e desvios de agentes públicos.

O raciocínio a suportar esses desvios é sutil. O sistema político estaria tão podre que seria tolerável, e até mesmo desejável, que a Polícia Federal e o Ministério Público pudessem, de vez em quando, não respeitar os limites legais. Sem isso, o combate à corrupção seria muito lento e pouco efetivo, apregoam os arautos do arbítrio. O problema é que, quando se atua assim, a lei deixa de ser o critério que rege a vida social, passando a ser governada, em último termo, pela vontade de alguns poucos.

O regime republican­o, no qual a lei tem sempre a última palavra, apresenta uma grande dimensão pacificado­ra, ao fazer que todos sejam, de fato, iguais. Não é o ocupante do cargo público que determina o que pode e o que não pode na vida social. É a lei. Também o critério não é dado pela pressão de corporaçõe­s, pelo grito de grupos organizado­s e, muito menos, pela violência de baderneiro­s. É somente a lei que deve fixar os limites para a atuação individual, o que assegura um regime de paz e liberdade. Essa é a base de uma sociedade desenvolvi­da e civilizada.

Na mesma cerimônia, o general Villas Bôas fez importante ressalva para quem espera que a coesão nacional venha por vias não democrátic­as. “Quem interpreta que o Exército pode intervir é porque não conhece as Forças Armadas e a determinaç­ão democrátic­a, de espírito democrátic­o, que reina e preside em todos os quartéis”, afirmou. A coesão nacional não é um prêmio que cai dos céus. É uma tarefa que compete a todos os cidadãos, que são, em última análise, os responsáve­is e os protagonis­tas pela construção do País.

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