O Estado de S. Paulo

A Europa coloniza o futebol

Uefa tem o domínio europeu e deixa América do Sul com as glórias do passado

- Jamil Chade

Numa das áreas mais nobres de Moscou, as federações de futebol de países sul-americanos criaram uma espécie de embaixada transforma­da em museu das grandes conquistas de Brasil, Argentina e Uruguai, entre outros. Mas, quando a Copa do Mundo terminar, no dia 15 de julho, o futebol completará seu quarto Mundial seguido com conquista europeia e a Conmebol continuará apenas com as fotos de seu passado glorioso.

Com quatro seleções nas semifinais, a Europa se consolida como o epicentro do esporte. Mas o protagonis­mo inédito dos europeus não ocorre apenas no torneio mais importante de seleções. Isso acontece também nos Mundiais Sub-20 e Sub-17, com os torneios de clubes, além das finanças do esporte e até mesmo no calendário internacio­nal.

Os dados não deixam dúvidas de quem hoje domina o futebol. Brasil foi o último sul-americano a ganhar uma Copa, em 2002. Itália em 2006, Espanha em 2010, Alemanha em 2014 e outro europeu em 2018 estabelece­rão o período mais longo da história das Copassem a conquista de um sul-americano.

O futebol de base, porém, também tem visto um forte domínio europeu, o que aponta que as conquistas podem continuar no nível profission­al. No Mundial Sub -20, a França bateu o Uruguai na final, em 2013, seguido pela conquistad­a Sérvia superando o Brasil em 2015 e a Inglaterra vencendo a Venezuela em 2017.

Entre os clubes, o domínio é ainda maior. Nos últimos dez anos, todas as edições do Mundial da Fifa foram vencidas por europeus–sal voem 2012, quando o Corinthian­s bateu oChel se a.Cent rodo podere do dinheiro do futebol internacio­nal, a Europa forneceu 75% dos jogadores que estavam na Copa em 2018, um número recorde.

Na Uefa, esses números que são apresentad­os à exaustão em negociaçõe­s coma Fifa ena definição de calendário­s internacio­nais .“Temos o melhor futebol do mundo”, insiste Aleksander Ceferin, presidente da Uefa. Desde 1982, quando as semifinais foram recriadas na Copa, 31 dos 40 times que passaram para essa fase foram europeus.

Na entidade europeia, a explicação dada para o sucesso tem uma relação direta com os recursos investidos, estabilida­de e um plano claro para tornar o futebol uma atividade rentável para, justamente, garantir mais investimen­tos. Segundo dados da Uefa,26d as 54 ligasn acionais europeias estão dando lucro. O nível de dívidas dos clubes caiu de 65% em 2011 para 35% em 2017.

“Durante estas duas décadas sem ganhar uma Copa, acompanham­os a evolução de clubes e seleções europeias na parte técnica e coletiva e presenciam­os a transforma­ção da qualidade de jogo de Inglaterra, Espanha, Alemanha, França e Bélgica”, disse Eduardo Tega, consultor técnico em desenvolvi­mento e inovação no futebol, que atua em federações na Europa.

Segundo ele, a Uefa introduziu em 2008 o processo obrigatóri­o de qualificaç­ão de treinadore­s e, em 2004, o Sistema de Licenciame­nto de Clubes. Trata-se de um conjunto de critérios a serem preenchido­s para que os clubes possam participar de suas principais competiçõe­s e acabou incorporad­o ao modo como os clubes e as federações europeias operam e tomam suas decisões. “A CBF dará inicio à adoção destes processos a partir deste ano”, disse. “Estamos atrasados três Copas em relação aos europeus.”

Marcos Motta, advogado e um dos principais nomes da administra­ção do futebol internacio­nal atual, destaca que a Europa hoje é “o maior mercado do mundo”. “Lá estão as melhores ligase os melhores jogadores .”

Sem citar o nome do cliente, Motta contou como um jogador de seleção foi se reunir com dirigentes­de um clube europeu .“Na mesa, colocaram dois envelopes. Não eram propostas financeira­s.

Não vim aqui pensar em mim.

É a equipe que importa Romelu Lukaku, ATACANTE DA SELEÇÃO DA BÉLGICA

E ramas tabelas dos campeonato­slocais e continenta­is. Ado clube brasileiro era só jogo de campeonato estadual. Ado clube pretendent­e eram três dérbis da maior liga do mundo e dois jogos de Liga dos Campeões no mesmo período”, disse. “Isso não é demérito do Brasil, mas mérito da Uefa e da Liga nacional.”

Carlos Alberto Parreira, recordista em participaç­ões em Copas, disse ao Estado que não acredita “numa supremacia técnica europeia”. “Continuamo­s sendo muito bons.”

O ex-ministro dos Esportes, Ricardo Leyser Gonçalves, tem outra avaliação. “Não vejo esse fato como resultado da decadência do futebol não europeu ”, disse, lembrando da queda precoce de Alemanha e Portugal, além da ausência de Itália e Hol andana Copa. Em sua avaliação, Japão e Irã mostram que o futebol estás e desenvolve­ndo em outras partes do mundo. Mas admite que os europeuses­tão jogando mais parecido coma habilidade dos sul-americanos. “A imigração africana fez muito bem para o futebol europeu.”

Amir Somoggi, diretor da empresa brasileira de marketing esportivo Sports Value, insiste no aspecto econômico, coma transferên­cia de craques para um só mercado, na Europa. “Nossa seleção é um apanhado de bons jogadores, mas que na seleção rendem pouco”, aponta. “Falta consciênci­a tática, que sobra aos europeus, que formam cada vez melhores jogadores, e estão nos deixando para trás.”

Questionad­o sobre aforça do futebol europeu, o técnico uruguaio Oscar Tabárez ironizou: “não me pergunte sobre algo que é evidente”. Segundo ele, “a realidade do ponto de vista financeiro e histórico não pode ser ignorada ”. Campeão em 2002 e dirigente do Barcelona, Edmílson define com uma palavra o domínio europeu: “organizaçã­o”. “Dinheiro existe. Não existe é um plano.”

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Domínio. Suécia e Inglaterra, exemplos da força europeia na Copa

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