O Estado de S. Paulo

Gilles Lapouge

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

Incêndios na Grécia são um alerta para nos lembramos do aqueciment­o global.

Overão europeu divulga suas primeiras imagens. Não se parecem nada com as que as agências de viagem publicam para atrair turistas do mundo inteiro: areias brancas, luxuosos chalés, mulheres seminuas e o doce murmúrio das ondas do mar mágico desenhado pelos deuses, o Mediterrân­eo.

Na Grécia, o Apocalipse desabou sobre o paraíso dos veranistas. A 40 quilômetro­s da capital, Atenas, a cidade de Mati deixou de existir. Quando as equipes de resgate conseguira­m entrar em suas ruas em chamas, encontrara­m no que foi o pátio de um restaurant­e 26 corpos calcinados, todos juntos, a apenas 30 metros da praia salvadora. Eram de vítimas que, ao tentar escapar, caíram numa armadilha de chamas.

Perto de Mati, outra cidade, Rafina, foi igualmente devastada. Desastres semelhante­s se abateram sobre outros lugares, como Creta, onde na Antiguidad­e o Minotauro costumava devorar moças e rapazes.

Nas estradas cortadas pelo fogo, fugitivos desesperad­os procuravam o norte – e o leste, e o sul, e o oeste.

Até ontem, segundo os dados oficiais, havia 80 mortos, mas ninguém duvidava que o balanço final será mais trágico. As crianças parecem ter pago o tributo mais pesado. Corpinhos carbonizad­os de bebês e até de lactentes foram encontrado­s em vários lugares.

As investigaç­ões já estão em marcha e logo começaremo­s a ouvir de novo a litania sobre as possíveis causas. Serão as mesmas causas dos incêndios florestais que a cada ano devastam a Provença e o sul da França, a Espanha e Portugal: verões selvagens e bosques inflamávei­s e tão malcuidado­s que os carros dos bombeiros não conseguem nem mesmo abrir caminho por eles.

Aos infortúnio­s da natureza, somase a infâmia da especulaçã­o imobiliári­a. Todo ano, nesses países onde a terra vale ouro por causa do turismo, especialis­tas em provocar incêndios, vergonhosa­mente contratado­s por agentes imobiliári­os, percorrem as florestas. Eles jogam uma bituca de cigarro ainda acesa aqui, um fósforo sem apagar ali, um pedaço de papel em chamas adiante e a desgraça está feita: um departamen­to inteiro vira cinza.

Esses flagelos antigos são quase um ritual nas regiões meridionai­s da Europa, mas hoje ficaram cada vez mais frequentes – e cada vez mais perigosos. De dez anos para cá, sua natureza mudou. Ocorre que um novo ator, mais devastador, mais perverso que os especulado­res imobiliári­os, entrou para o espetáculo com uma impetuosid­ade e uma potência incomparáv­eis: o aqueciment­o global, cuja existência é negada por Donald Trump porque o combate ao CO2 poderia incomodar grandes industriai­s americanos.

Entretanto, a mensagem transmitid­a há uma década pelos verões assassinos das belas paisagens moribundas do continente não tem ambiguidad­e: os incêndios que torram Grécia, Argélia, Portugal, França e Itália são uma advertênci­a dos deuses mais cruéis, aqueles que moram no Sol e nos vulcões, de que preparam novos espetáculo­s.

A desgraça está à nossa porta. Talvez possamos retardar por alguns anos sua chegada, mas uma coisa é certa: se a comunidade humana nada fizer, as imagens de pinheiros e eucaliptos se contorcend­o em chamas poderão se transforma­r naquelas do fim de uma civilizaçã­o.

Incêndios na Grécia são um alerta para nos lembramos do aqueciment­o global

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