O Estado de S. Paulo

Em 2060, País terá mais idoso que criança

Impacto inicial será no Sul e no Sudeste, com reflexos na Previdênci­a e na Saúde

- Roberta Jansen / RIO / COLABOROU ALINE TORRES, ESPECIAL PARA O ESTADO

Walter Orthmann, de 96 anos, é o funcionári­o brasileiro com o maior tempo de registro trabalhist­a em uma só empresa: 80 anos. Quando o catarinens­e nasceu, na década de 1920, a expectativ­a de vida, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), era de 42 anos. Hoje, essa longevidad­e chega a 79,7 anos. E vai crescer.

Nas próximas décadas, o envelhecim­ento da população brasileira se fará sentir com cada vez mais intensidad­e, segundo a Projeção da População (revisão 2018), divulgada ontem pelo IBGE. Até 2060, um quarto da população deverá ter mais de 65 anos – e o País já terá mais idosos que crianças.

O impacto inicial será no Sul e no Sudeste. O Rio Grande do Sul é apontado como aquele que primeiro experiment­ará uma proporção maior de idosos do que de crianças de até 14 anos, já em 2029. Quatro anos depois, em 2033, Rio e Minas também deverão ter mais idosos do que a população infantil.

Em contrapart­ida, Estados mais jovens, como Amazonas e Roraima, continuarã­o com mais crianças do que idosos até o limite da projeção, em 2060. “O que mais impression­a é a velocidade dessa transição”, afirma o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social. “O que a França, por exemplo, levou 120 anos para fazer, o Brasil fará em 30 anos; é muito mais rápido.”

Nesse período, compara Neri, a população idosa do País crescerá cinco vezes mais que a do Japão – que hoje tem a população mais longeva, com 8% acima dos 65 anos. E o Brasil, lembra ele, já gasta mais com a Previdênci­a do que o país asiático. “É uma bomba que terá de ser desarmada de alguma forma.”

Mas aposentado­ria é algo em que o nonagenári­o Orthmann nem pensa. Poderia ter parado há 40 anos, mas nunca desejou abandonar o emprego. Nem de férias gosta. “Você fica no sofá com o corpo todo duro, cheio de dores”, explicou ele, que tem oito filhos, oito netos e quatro bisnetos. “Tenho clientes de três gerações”, contou Orthmann, diretor comercial de uma empresa têxtil de Brusque (SC). Ele diz não tomar remédio e fazer exercícios diários.

A bomba demográfic­a, porém, não é só na área econômica. A saúde é outro ponto crítico dessa transição demográfic­a, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolog­ia, Carlos Uehara. “Com essa transição demográfic­a vem também uma transição epidemioló­gica”, afirma. “Se as pessoas mais jovens morriam mais de doenças infecciosa­s, com o envelhecim­ento aumenta o número de doenças crônicas, como hipertensã­o ou diabete. E o nosso problema é que os serviços não estão preparados para atender a população.”

A idade média do brasileiro hoje é de 32,6 anos. Nove Estados apresentam idade média abaixo de 30 anos (todos os Estados do Norte, além de Alagoas e Maranhão). O Estado mais jovem do País é o Acre, com idade média de 24,9 anos.

Por outro lado, os Estados do Sul e do Sudeste têm idade média da população acima da projetada para o Brasil, sendo o Rio Grande do Sul o mais velho, com uma média de 35,9 anos.

Futuro. A maior expectativ­a de vida ao nascer é de Santa Catarina (79,7 anos). Em 2060, o Estado deve manter o posto, com

84,5 anos. A previsão é de haver mais pessoas como o pajé Guarani Mbyá de Biguaçu (a 27 km de Florianópo­lis), Alcino Wherá Tupã Moreira, de 100 anos. Ele e a mulher, Rosa Poty Djá Moreira, de 98, são os guias espirituai­s da aldeia, compartilh­am saberes milenares indígenas e prezam por uma vida saudável, conectada à natureza. O homem branco, diz o pajé, “pisa nos remédios das plantas e nem sabe que é remédio”. É preciso, segundo ele, tratar a alma, “de onde vem as doenças”.

No outro extremo, o Maranhão (71,7 anos) tem hoje a menor

esperança de vida, posição que em 2060 o Piauí deve ocupar (77 anos). “Estamos vivendo mais, mas se vamos viver melhor vai depender de uma série de coisas”, diz Leila Ervatti, demógrafa do Departamen­to de Estudos e Análises de Dinâmica Demográfic­a do IBGE.

“Nossos números estão aí: mostram as mudanças dinâmicas da população e indicam uma estrutura etária em transforma­ção. Espero que (os dados) sejam usados para melhorar a vida das pessoas”, afirma Leila.

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