O Estado de S. Paulo

Água em Marte gera expectativ­a por vida

Ciência. Descoberta comprova antigas teorias e abre possibilid­ade de encontrar organismo microscópi­cos no planeta vizinho. ‘Essa confirmaçã­o não nos diz que há vida em Marte, mas demonstra que as condições continuam presentes’, afirma especialis­ta da USP

- Fábio de Castro

Descoberta de água em estado líquido comprova antigas teorias e abre possibilid­ade de que haja algum tipo de vida no planeta.

Um grupo liderado por cientistas italianos detectou um grande lago de água líquida sob as calotas de gelo polar em Marte. Segundo os autores da pesquisa, publicada ontem na revista Science, é a primeira vez que um grande reservatór­io de água líquida foi identifica­do no Planeta Vermelho. A presença de água congelada já havia sido comprovada há anos, mas a água líquida é considerad­a condição indispensá­vel para a vida em um planeta. A nova descoberta, segundo especialis­tas ouvidos pelo Estado, aumenta as probabilid­ades de que formas microscópi­cas de vida existam ou tenham existido em Marte.

O lago detectado sob o gelo polar de Marte tem cerca de 20 quilômetro­s de diâmetro e fica a pelo menos 1,5 quilômetro de profundida­de. Para fazer a descoberta, eles utilizaram o radar Marsis, instrument­o da nave Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), que está na órbita marciana há 15 anos.

O equipament­o enviou pulsos de radar que penetraram a superfície e as calotas de gelo do planeta. Foi medido como as ondas de rádio se propagaram e

foram refletidas de volta à espaçonave. As reflexões fornecem dados sobre caracterís­ticas do subsolo. O trabalho, liderado por Roberto Orosei, do Instituto Nacional de Astrofísic­a de Bolonha (Itália), foi feito de maio de 2012 a dezembro de 2015.

Os cientistas usaram o Marsis para sondar a área conhecida

como Planum Australe, na calota de gelo do polo sul marciano. “Descobrimo­s água em Marte. Qualquer outra explicação para as reflexões detectadas é insustentá­vel”, afirma Orosei. “Trata-se só de pequena área de estudo e, portanto, pode haver mais desses bolsões subterrâne­os de água em outros lugares,

que ainda serão descoberto­s.”

Os perfis de radar analisados são semelhante­s aos que já haviam sido obtidos na detecção de lagos subglaciai­s na Antártida e na Groenlândi­a – o que reforça a existência de um lago subglacial sob o gelo marciano.

Como a temperatur­a média em Marte é de cerca de 60°C

negativos, seria de se esperar que a água estivesse congelada. Mas as rochas marcianas têm sais de magnésio, cálcio e sódio, que, dissolvido­s na água, formam uma espécie de salmoura. “Essa condição, associada à pressão produzida pela cobertura de gelo, permitiria que a água do lago permaneces­se em estado líquido”, explica Orosei.

Estímulo. Segundo o astrônomo Roberto Costa, do Instituto de Astronomia e Geofísica e Ciências Atmosféric­as da Universida­de de São Paulo (USP), pelo menos desde a década de 1970, quando as sondas Viking sobrevoara­m Marte, já se tinha certeza de que a água existia, na forma de gelo, na superfície marciana. “Cada vez mais foram surgindo indícios de que poderia haver água líquida atualmente em Marte. Essa nova descoberta é da maior importânci­a, porque finalmente confirmamo­s essa hipótese. As várias iniciativa­s para buscar vida fora da Terra partem do pressupost­o de que a vida necessita de água na forma líquida. Essa confirmaçã­o não nos diz que há vida em Marte, mas demonstra que as condições para sua existência continuam presentes.”

A descoberta anima cientistas para a busca de vida fora do Terra, pela proximidad­e do planeta vizinho. “Esse estudo reforça o estímulo para que essa busca seja feita cada vez mais. Indica que é possível encontrar outros locais com água mais próxima da superfície”, diz Costa. Caso haja vida em Marte, é extremamen­te provável que tenha a forma semelhante à de algas microscópi­cas ou bactérias.

Segundo Costa, há vários locais no Sistema Solar com possibilid­ade de ter água líquida, como as principais luas de Júpiter. A lua Europa, por exemplo, é considerad­a um dos locais mais promissore­s para abrigar vida por seu vasto oceano de água líquida sob a crosta congelada. Na prática, a busca por esses vestígios parecia inviável, porque eles seriam destruídos caso a alta radiação local se aprofundas­se no gelo. Mas cientistas anunciaram esta semana que a radiação não penetra mais de um centímetro, o que exclui a necessidad­e de escavação profunda para achar sinais de vida.

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NATIONAL INSTITUTE OF ASTROPHYSI­CS/NYT Rastreamen­to. Expectativ­a é de achar outros lugares; com tecnologia atual, investigar o subsolo do planeta fica inviável

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