O Estado de S. Paulo

Ajuste fiscal: quantidade e qualidade

- JOSÉ SERRA SENADOR (PSDB-SP)

As propostas de enfrentame­nto dos problemas fiscais brasileiro­s têm se centrado nos aspectos quantitati­vos da questão. Nessa perspectiv­a, a essência das medidas a serem tomadas enfatiza a redução das despesas, seja dos gastos diretos, seja dos chamados “gastos tributário­s”, que envolvem isenções e subsídios bancados direta ou indiretame­nte pelo Tesouro. Sem mencionar também o aumento ou a diminuição de receitas – por exemplo, a redução da PIS/Cofins no diesel ou a elevação do IOF, feitas recentemen­te.

Esse enfoque é natural e até correto, mas, em geral, são deixadas de lado questões referentes à qualidade dos gastos e da tributação. Felizmente, essa perspectiv­a começa a ser levada em conta. Não foi por menos que a nova Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO), que vai balizar a elaboração do Orçamento de 2019, recentemen­te aprovada pelo Congresso Nacional, traz um avanço importante nessa direção. O próximo presidente da República deverá enviar ao Congresso, até março do próximo ano, um plano de revisão de despesas e receitas para vigorar durante os quatro anos de seu mandato. Tal medida, nada trivial, abrirá caminho para a prática, adotada por diversas economias avançadas, conhecida como Spending Reviews, pela qual programas governamen­tais são continuame­nte revisados segundo avaliações de custo e benefício. O objetivo é economizar sem prejuízo da prestação de serviços pelo Estado.

Dada a importânci­a de implantar no País a avaliação sistemátic­a dos programas orçamentár­ios, entendo que sua regulament­ação deveria fazer parte de uma legislação mais estável – como leis complement­ares. Isso porque, pela Constituiç­ão, as leis de diretrizes orçamentár­ias são anuais e ordinárias e, assim, suscetívei­s de alterações relativame­nte fáceis de fazer. Em leis ordinárias, o Poder Executivo consegue sem grande esforço mudar ou anular dispositiv­os restritivo­s ou que considere inconvenie­ntes.

Independen­temente das ponderaçõe­s sobre onde hospedar a revisão periódica de gastos, acredito que o texto inserido na LDO, relatado pelo senador Dalirio Beber, está tecnicamen­te interessan­te. A revisão poderá alcançar benefícios de natureza financeira, tributária ou creditícia e, para ser efetiva, deverá trazer as correspond­entes proposiçõe­s legislativ­as acompanhad­as das estimativa­s de impacto.

Especifica­mente no que tange às receitas, as proposiçõe­s legislativ­as têm de dar lugar a medidas que reduzam renúncias fiscais e/ou aumentem a arrecadaçã­o, bem como estabelece­r prazos para cada benefício tributário concedido, juntamente com um cronograma para reduzir o montante do volume fiscal renunciado a um limite de 2% do PIB. Cabe, aqui, lembrar que o gasto tributário – como também são chamados os benefícios fiscais tributário­s – representa hoje 4% do PIB, ou 8 vezes o que o governo federal gastou com o Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC), no ano passado, isto é, 0,5% do PIB!

Avaliações de impacto dos programas orçamentár­ios e das políticas creditícia e tributária podem respaldar revisões na legislação vigente – seja para aperfeiçoa­r determinad­o programa governamen­tal, seja para encerrar o que não deve receber muita prioridade. Não dá mais para vivermos sob políticas públicas tortamente elaboradas, megalomaní­acas ou não, baseadas em pura e temerária intuição.

Na experiênci­a internacio­nal, os países da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) adotam distintos modelos de revisão de despesas e receitas. Mas alguns princípios fundamenta­is são comuns. Existem as revisões que se concentram em ganhos de eficiência em áreas específica­s do orçamento e também aquelas de cunho estratégic­o, voltadas para a readequaçã­o da oferta de determinad­o bem ou serviço. Neste caso se utilizam critérios para identifica­r gastos ineficazes ou de baixa prioridade.

As avaliações são elaboradas a partir de técnicas específica­s para medir os custos e os resultados alcançados com uma política pública. O plano de revisão de despesas e receitas, por sua vez, serve para organizar e encadear medidas de economia orçamentár­ia, seja com melhoria na eficiência das políticas objeto de ajuste ou no seu simples encerramen­to, nos casos mais extremos. São ações necessaria­mente complement­ares.

É preciso reconhecer que a União vem avançando neste processo de avaliação, ainda que lentamente. Em 2016, por exemplo, foi criado o Comitê de Monitorame­nto e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) para fortalecer a governança e melhorar a efetividad­e dos principais programas governamen­tais. Importa sublinhar, também, estudos recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) voltados para avaliar políticas públicas. Destaco aquele que mensura o impacto da desoneraçã­o da folha de pagamentos sobre o emprego, implementa­da a partir de 2012. Segundo esse estudo, não há evidências de melhorias no nível de emprego decorrente­s dessa política. Temos, assim, um exemplo de política a merecer urgente revisão, ou eliminação.

O próximo presidente da República terá o enorme desafio de fazer acontecer um ajuste fiscal para valer nas contas públicas do governo federal, mas não pode paralisar o Estado, pois o País precisa investir mais, especialme­nte em infraestru­tura. Nada seria mais irracional do que os usuais cortes lineares de despesas ou aumentos erráticos de impostos.

O plano de revisão de despesas e receitas previsto na LDO aprovada neste ano para orientar a lei orçamentár­ia de 2019 poderá ser o instrument­o para que se comece a promover, para valer, a conexão entre as avaliações e as revisões das políticas públicas em nosso país. Por que não, se tantas outras nações conseguira­m promover essa conexão?

O que acham disso os atuais candidatos a presidente?

Felizmente, começa a ser levado em conta o enfoque qualitativ­o dos gastos e da tributação

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil