O Estado de S. Paulo

Empresa caminha no fio da navalha

- Francisco Brito Cruz

Não foi o Judiciário, a polícia ou o MP. O maior caso de remoção de conteúdo “com o propósito de gerar divisão e espalhar desinforma­ção” visto até agora no País foi obra do próprio Facebook: 196 páginas e 87 perfis. A ação contra tais páginas e perfis ligados a grupos como o MBL demonstrou o poder que têm as regras estipulada­s pela plataforma.

Estas regras são as “políticas” da empresa. Definidas globalment­e, é nelas que estão limitações a conteúdos ou condutas (como pornografi­a e bullying). A violação pode ocasionar punições, como remoção de perfis e páginas. Neste caso, o Facebook disse que o que levou à ação foram violações às “políticas de autenticid­ade”. Violam tais normas os usuários que, por exemplo, usam várias contas ao mesmo tempo, criam contas com nomes ou informaçõe­s falsas ou que trabalham em conjunto para “enganar as pessoas” sobre a origem do conteúdo postado.

Remoções como essa já foram questionad­as, mas não é simples argumentar que o Facebook não deva estabelece­r suas regras. Ano a ano cresce a pressão para que ele tome responsabi­lidades e estabeleça limites para garantir a segurança de usuários e prevenir abusos (o que parece razoável), mas muitas questões emergem. Mesmo que isso dê um curioso nó na argumentaç­ão dos mais liberais (por que os defensores da livre iniciativa não procuram outro serviço?), a relevância de grupos impactados (como o MBL) e o impacto dessas remoções na sua capacidade de se comunicar politicame­nte impõem que essas ações sejam cada vez mais justificad­as e vistas a partir do prisma do “devido processo legal” para que ganhem mais legitimida­de.

No primeiro semestre, a plataforma lançou uma versão mais detalhada das suas “políticas”. Em entrevista, Mark Zuckerberg disse desejar que elas possam ser cada vez mais testadas e recorrívei­s, aludindo à criação de uma espécie de “suprema corte”. Mesmo que o Facebook seja uma empresa, a legitimida­de de suas decisões com impactos políticos depende cada vez mais da plataforma emular mecanismos de participaç­ão, transparên­cia e prestação de contas presentes em tomadas de decisão de interesse público por governos. É o que pode definir que ações como esta sejam vistas como censura política ou como proteção dos seus usuários. É nesse fio da navalha em que caminha a empresa de Zuckerberg.

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