O Estado de S. Paulo

ESTUDIOSOS CRITICAM PROPOSTA DE ARMAR CIVIS

Para o ministro da Segurança Pública, há risco de o Congresso ‘rasgar’ o Estatuto do Desarmamen­to

- Felipe Resk

A proposta de facilitar o acesso da população a armas de fogo tem apelo eleitoral, mas, na prática, poderia resultar em mais mortes no País, avaliaram estudiosos em segurança pública durante o Fórum Estadão realizado ontem. Presente ao evento, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, apontou risco de o Congresso “rasgar” o Estatuto do Desarmamen­to, mas defendeu a “flexibiliz­ação” a legislação atual.

Sancionado em 2003, o estatuto prevê uma série de exigências para se obter porte ou posse de arma de fogo no Brasil, autorizado­s pela Polícia Federal ou pelo Exército. A lista inclui ter mais de 25 anos e não apresentar antecedent­es criminais. Também é preciso passar por teste psicológic­o e provar capacidade técnica.

Para o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, as regras não deveriam ser alteradas. “Estão vendendo essa visão perigosíss­ima para a população como um instrument­o de captação de voto, infelizmen­te”, afirmou. “As evidências mostram que a arma de fogo é um instrument­o bom para atacar e um péssimo instrument­o para se defender.”

Na visão do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, a questão tem sido debatida como “o bem contra o mal”. “Dizem que o criminoso está superarmad­o. Sim, e é por isso que ele é criminoso. Também é por isso que a polícia precisa investigar e puni-lo.”

“Se provar que é necessário, a legislação já permite que o cidadão ande armado”, afirmou. “Então, acho que essa é uma falácia que foi colocada pelo debate ideológico.” Para o estudioso, armar a população seria transferir a responsabi­lidade diante da segurança pública para os cidadãos – eximindo, assim, o Estado. “A gente tem é de cobrar eficiência das políticas públicas”, disse.

Ao argumentar, Vicente Filho citou casos de policiais de São Paulo que, apesar de receber “os melhores preparos do mundo”, são vítimas de criminosos. Também falou de estudos sobre latrocínio­s (roubo seguido de morte) que apontam maior letalidade quando a vítima está armada. “Esse policial preparadís­simo morre, como qualquer outro, quando é surpreendi­do. Quando o indivíduo é surpreendi­do, vai tentar usar a arma e vai morrer. Bandido, quando vê a arma, atira.”

Projeto. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3722/2012, de autoria do deputado federal Peninha Mendonça (MDB-SC), que propõe a revogação do Estatuto do Desarmamen­to. Entre as alterações, o PL sugere a redução da idade mínima para aquisição de arma para 21 anos, além de autorizar a posse e o porte a pessoas que respondem a inquéritos ou processos criminais.

No fórum, Jungmann criticou, indiretame­nte, o projeto. “Sim, podem-se fazer ajustes, mas o que transita no Congresso Nacional é rasgar o Estatuto”, afirmou. “Esse debate, em grande medida, é impulsiona­do pela indústria de armas no Brasil que, evidenteme­nte, busca seus representa­ntes.” No caso da aprovação do projeto, o ministro vê risco no acesso da população a armamento de uso restrito das forças policiais.

O posicionam­ento de Jungmann provocou resistênci­a em parte da plateia, favorável ao armamento. “Eu pergunto aos senhores e às senhoras: se todos estivéssem­os armados aqui, estaríamos mais seguros?”, questionou o ministro. Imediatame­nte, uma senhora respondeu que sim. “Então me permita simplesmen­te discordar”, reagiu Jungmann. “Se a senhora quiser, a senhora procura a Polícia Federal, apresenta seus motivos e pode fazer registro tanto da posse quanto do porte. O que eu não posso crer é na sociedade simplesmen­te regredir à sua autotutela.” No fim da fala, recebeu aplausos.

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‘Risco’. Ex-secretário de Segurança José Vicente da Silva Filho

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