O Estado de S. Paulo

Corrida maluca

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Sobram truques, oportunism­o e trapalhada­s nessa corrida eleitoral. Difícil dizer o que é pior: o silêncio de Jair Bolsonaro sobre temas básicos de economia ou a incapacida­de do PT de renovar sua agenda econômica.

Bolsonaro exerce seu 7.º mandato de deputado federal desde 1991 e já passou por 9 partidos. Apesar disso, ele se apresenta como “cara nova” e antiestabl­ishment. O marketing parece funcionar, ironicamen­te, devido à sua exígua atividade parlamenta­r.

Em um país com tantos desafios, surpreende um parlamenta­r tão longevo ser principian­te. Ele insiste, pois, em delegar ao coordenado­r de seu programa econômico, Paulo Guedes, as questões centrais de seu plano de governo, sendo que a agenda de cunho liberal de Guedes contrasta com sua atuação no Congresso. Isso alimenta as incertezas de como seria seu governo de fato.

Um estudo da XP, elaborado por Victor Scalet, sobre a atuação do parlamenta­r aponta que 46% das suas proposiçõe­s tiveram cunho corporativ­ista, com destaque para a defesa de militares e profission­ais de segurança. Outros 10% vão para temas relacionad­os a porte de armas, que ganharam relevância mais recentemen­te. A segurança pública, curiosamen­te, não foi contemplad­a.

Bolsonaro foi contra as reformas estruturai­s, a começar pela oposição ao Plano Real. E assim seguiu para a quebra dos monopólios do petróleo e das telecomuni­cações e as reformas administra­tiva e da Previdênci­a na gestão Fernando Henrique Cardoso.

Bolsonaro diz ter mudado de opinião. Não há problema nisso. É o que fazem políticos comprometi­dos ao se defrontare­m com seus equívocos. Mas, se ele mudou, o que exatamente pensa? O eleitor está no escuro em relação às suas reais pretensões.

Aprendemos com a experiênci­a malsucedid­a de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015, a falta que faz a convicção do presidente. Não basta delegar.

Fernando Haddad, possível candidato e coordenado­r da campanha do PT, silencia sobre a culpa do governo Dilma pelo desastre econômico. Sem surpresas aqui. O problema é a ausência de reflexão e incapacida­de do PT de modernizar sua agenda, diferente de outros segmentos da esquerda que buscam uma renovação.

Os “choques liberais” que Haddad promete não são observados em suas propostas, que são intervenci­onistas, imediatist­as e superficia­is. Lembram o governo Dilma, com improvisos, busca de atalhos e pouco apreço a diagnóstic­os cuidadosos. Distanciam-se bastante do primeiro mandato de Lula, que seguiu uma política econômica responsáve­l e mais moderna.

Haddad tem o mérito de admitir a importânci­a da reforma da Previdênci­a, ao contrário de Marcio Pochmann. Suas propostas econômicas, porém, são incompreen­síveis.

A proposta de elevar a tributação de bancos com juros mais altos reflete uma incompreen­são das principais causas do spread elevado – inadimplên­cia alta e cara devido à inseguranç­a jurídica, carga tributária, crédito direcionad­o, dificuldad­e de acesso a informaçõe­s e questões regulatóri­as – e de como funciona a economia. Se a medida for implementa­da – algo particular­mente difícil por conta da complexida­de do mercado de crédito –, a oferta de crédito diminuiria e o spread voltaria a subir com o tempo. Tiro no pé. Melhor implementa­r a agenda proposta pelo Banco Central para redução do spread bancário. Não precisa inventar.

Outra medida equivocada seria a venda de reservas internacio­nais para financiar investimen­tos, o que demandaria mudanças nas regras que regem sua utilização. O impacto seria pontual e muito limitado, pois o problema do Brasil não é a falta de recursos, mas sim o pouco apetite para investimen­tos produtivos em um país caro e onde as regras do jogo são complexas e mudam com frequência.

Ao final da corrida, a esperança é que Bolsonaro tenha realmente mudado de opinião e que evite temas econômicos por reconhecer seu despreparo. E com Haddad, a esperança de que não consiga implementa­r o que pretende.

O problema é a ausência de reflexão e a incapacida­de do PT de modernizar sua agenda

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