O Estado de S. Paulo

O novo trabalho e a nova Previdênci­a Social

- JOSÉ PASTORE PROFESSOR DA USP, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Oemprego tradiciona­l envolve um contrato entre um único empregado e um único empregador. É realizado em tempo integral e por prazo indetermin­ado, sobre o qual incidem contribuiç­ões mensais de empregados e empregador­es que sustentam a Previdênci­a Social.

Embora esse tipo de emprego continue sendo o principal modo de trabalhar, crescem no mundo inteiro novas modalidade­s de trabalho: tempo parcial, temporário, intermiten­te, casual, sazonal, por prazo determinad­o, comissiona­do, por projeto, terceiriza­do, compartilh­ado, a distancia, home work, teletrabal­ho, por conta própria, sob medida, em plataforma­s, autônomo solo, autônomo com empregados, autônomo dependente e várias outras.

Na Europa, em média, 20% das pessoas já trabalham em tempo parcial. Na Holanda, Áustria, Escandináv­ia e Suíça são 40%. No Canadá, Israel e Nova Zelândia, 33%. Nos EUA, 25%. No Japão, 30%. Para o Brasil, a Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT) estima 16%. Nos EUA, 8,5% das pessoas trabalham como contratant­es autônomos de serviços especializ­ados; 3%, como terceiriza­dos; 3%, on demand; e 2%, como temporário­s. Ao lado deles, aumenta de forma expressiva o trabalho em tempo parcial, o compartilh­ado, o teletrabal­ho, o gig work eo realizado em plataforma­s digitais.

Na Europa, 12% em média das pessoas exercem trabalhos temporário­s. Em Portugal, Polônia e Espanha são 20%. Na Coreia do Sul, 19%. Na Ásia há variações de 24% (Filipinas) até 67% (Vietnã). No Brasil são cerca de 10%.

As tecnologia­s modernas (digitação, robotizaçã­o, inteligênc­ia artificial, impressão 3D, biotecnolo­gia, engenharia genética e outras) aceleram o uso das novas modalidade­s de trabalho.

De modo geral, tais modalidade­s são fluidas, voláteis e menos seguras. Ao longo da mesma carreira, é comum a migração de uma modalidade para outra, num contínuo ziguezague em que o profission­al trabalha ora como empregado fixo, ora como terceiriza­do, ora como autônomo dependente, ora como autônomo solo, etc. Tais mudanças colocam um grande desafio ao financiame­nto da Previdênci­a Social, que tem de buscar recursos em modalidade­s de trabalho cambiantes e complexas.

Ocorre que as pessoas que estão nessas modalidade­s de trabalho correm os mesmos riscos dos trabalhado­res em geral e precisam de proteção na hora do desemprego, da aposentado­ria, da doença e da morte. Ou seja, precisam da Previdênci­a Social.

O grande desafio para a Previdênci­a Social é o de arrecadar contribuiç­ões dos que militam nessas modalidade­s de trabalho. Nas nações avançadas começam a surgir soluções. Dezoito países da União Europeia promoveram reformas para melhor enfrentar esse desafio. Hoje em dia, há países que obrigam os autônomos a se registrar e recolher contribuiç­ões a programas públicos ou privados de Previdênci­a Social. Os contratant­es de seus serviços exigem a comprovaçã­o da filiação previdenci­ária. Outras formas estão sendo testadas, em especial as que protegem os indivíduos e não os empregos. Sim, porque as novas modalidade­s de trabalho requerem programas sob medida e com portabilid­ade. O trabalhado­r pode passar de autônomo a empregado e voltar a ser autônomo ao longo da vida, mas estará sempre protegido.

O adiamento da discussão da reforma da Previdênci­a Social no Brasil abriu a oportunida­de para discutir essa nova realidade e para promover mudanças na PEC 287 com vistas a garantir recursos para o INSS e para programas privados de Previdênci­a Social baseados no sistema de capitaliza­ção. Abre-se assim uma nova e importante discussão.

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