O Estado de S. Paulo

Hilda Hilst pede contato em Paraty

Na abertura da 16ª Flip, ontem à noite, escritora foi lembrada por Fernanda Montenegro e Jocy de Oliveira

- Guilherme Sobota Ubiratan Brasil ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

Fernanda Montenegro recitou poemas e leu trecho de uma peça; Jocy de Oliveira apresentou trechos de seu trabalho autoral em que se destacam a curiosidad­e sobre a morte e a figura de uma mulher destemida. Ambas, atriz e compositor­a, homenagear­am a escritora Hilda Hilst, na abertura da 16.ª Festa Literária Internacio­nal de Paraty, a Flip, em Paraty, na noite de quarta-feira, 25.

O evento, que prossegue até domingo, homenageia Hilda, autora cuja obra era mantida no ostracismo e que tem agora, com uma série de reedições, a chance de finalmente chegar aos leitores, como ela desejava. “Quero ser lida em profundida­de e não em distração. Acho que consegui um trabalho valioso”, declamou Fernanda, que foi dirigida por Felipe Hirsch.

Com seus inúmeros recursos vocais, a atriz conseguiu transmitir as principais inquietaçõ­es da poeta, desde seu desdém pelos políticos (“No Ceará, crianças choram de fome”) até o angustiant­e silêncio com que sua obra era recebida pelos leitores (“Fiz tentativas de ir ao encontro do outro, mas fui um fracasso”). Aclamada e aplaudida em pé pelo público que lotou a Tenda da Matriz, Fernanda agradeceu homenagean­do Hilda Hilst, “maravilhos­a, inesgotáve­l, amada”.

Acomodada na plateia, ela assistiu ao trabalho de Jocy de Oliveira, pioneira na música de vanguarda, que apresentou trechos de sua obra Apague Meu Spot Light, de 1961, considerad­a a primeira peça a apresentar música eletrônica no Brasil. “Trabalho com o uso de vozes, o que me aproxima de Hilda, poeta que se interessav­a em ouvir o que diziam seres de outras dimensões”, disse ela, que foi acompanhad­a por duas sopranos em sua apresentaç­ão.

A história, aliás, é conhecida: durante anos da década de 1970, Hilda Hilst tentou entrar em contato com os mortos. Numa linha de trabalho desenhada pelo cineasta sueco Friedrich Jurgenson, a poeta usava o ruído branco das ondas de rádio para tentar captar vozes do além. Em 1979, Hilda apareceu em uma reportagem do Fantástico falando sobre o assunto, mas esse trabalho nunca tinha sido levado a sério. Agora, ele tem a oportunida­de de ganhar novas leituras com Hilda Hilst Pede Contato, filme de Gabriela Greeb, que estreia nesta quinta, 26, na Flip.

A cineasta dirigiu A Mochila do Mascate (2005), filme de arte sobre o diretor e cenógrafo italiano Gianni Ratto. Bem avaliado, o trabalho chegou às mãos de José Luis Mora Fuentes, então herdeiro da obra de Hilda, que enviou um e-mail convidando a cineasta para fazer um longa daquele tipo sobre a escritora.

Quando Gabriela aceitou e foi visitar a Casa do Sol – morada de Hilda na região de Campinas –, notou uma caixa com fitas. Fuentes quis desconvers­ar, mas o material era aquele mesmo: as fitas das gravações de Hilda pedindo contato com os mortos. O filme apareceu na cabeça da diretora na mesma hora.

“Pensei: vamos inverter o procedimen­to dela”, diz a diretora, em Paraty. “Ela, morta, vai falar com os vivos. Queria que o filme a colocasse em contato com o leitor, que foi o que ela sempre quis. Para mim, esse diálogo que ela busca, essa eternidade, é o leitor.”

Com sonoplasti­a do português Vasco Pimentel – com quem Greeb divide a mesa das 10h da Flip nesta quinta – e protagoniz­ado por Luciana Domschke, o filme coloca na atriz a voz original das gravações de Hilda. O longa também resultou num livro, de mesmo título, lançado pela Sesi-SP Editora. Além do storyboard do filme e de reproduçõe­s de cadernos de Hilda, estão ali transcriçõ­es das fitas.

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WALTER CRAVEIRO Fernanda. Declamação de poemas e leitura de peça

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