O Estado de S. Paulo

Profissão: chocólatra

A adega da engenheira Zélia Frangioni é um verdadeiro retrato do universo do chocolate bean to bar: são mais de 300 barras feitas com cacau de origem, além de outras dezenas de embalagens guardadas já vazias

- Ana Paula Boni

Tem gente que coleciona sapato, bolsa, e tem gente que coleciona chocolate. Essa frase pode ser ouvida repetidas vezes da boca da engenheira Zélia Frangioni como uma espécie de justificat­iva sobre seu vício ser mais barato que outros (e certamente mais prazeroso). São três anos comprando barras de chocolate pelo mundo, em viagens ou por meio de sites, e a coleção vai mudando de acordo com a validade do chocolate e com o apetite da chocólatra. Mas todas as embalagens são guardadas, como um registro do que ela experiment­ou.

Um parêntese antes que a história prossiga: Zélia até come chocolates como o Lindt (“Tem dias que chocolate bom é chocolate ao alcance do braço”), mas sua coleção é um panorama do chocolate de origem pelo mundo. São barras bean to bar feitas em pequena escala, com o cuidado do trabalho artesanal que conecta toda a cadeia, a partir de cacauicult­ores de paragens como a região litorânea venezuelan­a do Chuao.

Zélia não sabe dizer quantas barras guarda na adega climatizad­a de sua casa – uma adega de vinhos que foi comprada há dois anos e nunca viu uma só garrafa. Depois que a repórter soma 158 barras importadas dentro da adega (sem levar em conta as unidades repetidas), Zélia abre o armário e de lá, uma espécie de limbo para as que passaram da validade, saem mais 137 (e não que a validade não seja um conceito a ser discutido). Além disso, tem dezenas de barras brasileira­s, incluindo tudo o que há de bean to bar sendo feito em variados Estados. E ainda outras dezenas de embalagens vazias que ela guarda no escritório.

A coleção começou como uma forma de experiment­ar chocolate para escrever sobre eles. Engenheira química que migrou para a área de TI, Zélia passou a fazer programaçã­o (e também design) de sites por volta de 1999, quando a internet ainda engatinhav­a no Brasil. Anos depois, queria experiment­ar o formato de blog para clientes. “Mas todo mundo só queria fazer site. Então, pensei, vou fazer um blog de uma coisa que adoro.” Assim nasceu, em 2013, a ideia do Chocólatra­s Online (chocolatra­sonline.com.br).

Até colocar o blog no ar, em setembro de 2014, Zélia percebeu que não sabia nada de bean to bar. “Eu sempre fui chocólatra. E naquela época o luxo era Lindt, que ainda não se vendia em supermerca­do. Eu não queria escrever besteira, daí fui estudar.” Foi pesquisar, lá fora, a origem do termo bean to bar, do chocolate gourmet, entre outros, e fez a primeira encomenda on-line, do chocolate francês Z (www.zchocolat.com).

Enquanto no exterior estava um pouco mais impulsiona­do o setor do chocolate com cacau de origem (de microlotes identifica­dos, sem blend, tal como no ramo do café), por aqui o mercado era quase nulo, com a Amma nadando sozinha desde 2010. Zélia acabou por ajudar, com seu blog, a difundir a cultura do chocolate de origem por aqui, em paralelo ao surgimento de marcas como Luisa Abram e Mission Chocolates.

A origem. “Descobri que o chocolate pode ter o gosto do cacau de um lugar específico”, diz a chocólatra, que fez dois cursos de degustação de chocolate em Londres no ano passado e gosta de brincar de identifica­r as origens. No ano passado, durante o Internatio­nal Chocolate Awards, do qual foi jurada, só ouvia falar em Ucayali – então resolveu conhecer esse local da Amazônia peruana, fronteira com o Acre. “Agora, meu foco é esse. Vou atrás de origens.”

Entre suas eleitas, estão o Chuao (na Venezuela, que carrega notas amendoadas), a Tanzânia e o Vietnã. Também tem Guanaja da Valrhona, marca francesa que com essa localidade hondurenha foi a primeira a identifica­r a origem do cacau numa barra, há 30 anos.

Entre suas barras preferidas, estão a Chuao (cacau da Venezuela) feita pelo francês François Pralus; a Chuao da marca americana Amano; a Bêntre 78% (cacau do Vietnã) da marca vietnamita Marou; e a barra Tanzânia da americana Dandelion, entre outras barras de chocolater­ias como a italiana Amedei e as também americanas Castronovo e Dick Taylor.

Zélia também abre espaço na adega para barras inusitadas, como a Taza, marca de Boston que usa receita mexicana, de textura rústica, mais grossa. Ou a Al Nassma 70%, de Dubai, que leva leite de camela. Ou ainda a Naive, um chocolate da Lituânia que usa kefir na receita. Amigos mais próximos passaram a trazer barras de lonjuras como Rússia e Japão.

No ano passado, com tamanho currículo chocolatei­ro, Zélia criou o prêmio Bean to Bar Brasil. Os chocolates são provados às cegas com um detalhe extra: quem se inscreve ganha uma fôrma padrão em que deve colocar o chocolate. A ideia é deixar todas as barras iguais e, assim, os jurados, que são chocolatei­ros, não sabem em quem estão votando. A avaliação deste ano será no dia 25 de agosto.

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FOTOS: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Mar de chocolate. Zélia Frangioni e sua coleção de barras
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Na adega.Barra da marca húngara Rózsavölgy­i e, abaixo, caixas com chocolates , guardados sob refrigeraç­ão

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