O Estado de S. Paulo

Suprema insensibil­idade

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Com escandalos­o desprezo pelo interesse público, juízes do Supremo Tribunal Federal decidiram por 7 votos a 4 propor a elevação de seus próprios salários.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

Com escandalos­o desprezo pelo interesse público, juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram por 7 votos a 4 propor a elevação de seus próprios salários de R$ 33.761 para R$ 39.293,32, com “modestíssi­mo reajuste” – palavras do ministro Ricardo Lewandowsk­i – de 16,38%. Enquanto isso, 13 milhões de desemprega­dos tentam sobreviver de qualquer jeito e formam filas de milhares de pessoas em busca de uma ocupação. No Executivo, ministros das pastas econômicas batalham para conter o déficit federal no limite de R$ 159 bilhões, neste ano, sem devastar os gastos com educação e saúde e sem abandonar outras despesas obrigatóri­as. Ao mesmo tempo, esforçam-se para legar ao próximo governo um orçamento administrá­vel. Mas esse esforço pode ser anulado se novos atos irresponsá­veis aumentarem os buracos do Tesouro. Quanto mais pronto o reparo das finanças públicas, maior será a confiança de empresário­s e investidor­es, mais fácil a recuperaçã­o da economia e mais breve a criação de vagas para os milhões de trabalhado­res de bolsos hoje vazios.

Um aumento salarial para os ministros afetará muito mais que a folha de pagamentos do STF. Salários de juízes do STF são o teto de vencimento­s do funcionali­smo público. Se aprovado, o “modestíssi­mo reajuste” defendido pelo ministro Ricardo Lewandowsk­i abrirá espaço para salários maiores em todo o Judiciário e em toda a administra­ção pública nos três níveis – federal, estadual e municipal. Além disso, aumentará também as despesas da Previdênci­a Social, o mais pesado componente das despesas primárias, isto é, dos gastos públicos sem os juros e amortizaçõ­es da dívida.

A decisão dos juízes do STF vai na contramão dos objetivos do governo, disse em Londres o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, onde chegou na quarta-feira para participar da terceira edição do Diálogo Econômico e Financeiro Brasil-Reino Unido. Um dos objetivos principais de viagens como essa é a atração de investimen­tos, uma operação dependente de confiança. Não por acaso, um dos principais temas levantados pelos investidor­es, segundo Guardia, foi a questão das contas públicas.

Enquanto o ministro da Fazenda tentava mostrar, em Londres, as possibilid­ades de melhora das finanças públicas brasileira­s, Lewandowsk­i e seus parceiros, em Brasília, jogavam no sentido contrário.

O impacto do aumento pretendido é de R$ 3,87 milhões adicionais para os gastos do STF em 2019, com efeito cascata de R$ 717,1 milhões para todo o Judiciário. Mas o efeito geral será muito maior, porque a elevação do teto salarial terá consequênc­ias em todo o serviço público. Já se estima um aumento de despesas de R$ 1,4 bilhão para o governo central e de R$ 2,6 bilhões para as administra­ções estaduais.

O Congresso ainda terá de votar o aumento pretendido por ministros do STF. Sem tomar posição sobre o assunto, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), lembrou algumas limitações. Será preciso, comentou, verificar se haverá dinheiro suficiente para isso no Orçamento da União e se a despesa total será compatível com o teto criado pela Emenda Constituci­onal n.º 95, aprovada em 2016. Será preciso, insistiu o senador, cuidar do assunto com calma e sem quebrar o princípio de harmonia e independên­cia dos Poderes.

A proposta orçamentár­ia para 2019 deverá ser mandada pelo Executivo ao Congresso até o fim do mês. O ministro do Planejamen­to, Esteves Colnago, ainda expressou, nos últimos dias, a esperança de adiar por um ano o reajuste salarial do funcionali­smo. Isso facilitari­a a travessia de 2019 pelo presidente eleito em outubro.

A maioria dos juízes do STF fica longe dessa preocupaçã­o. Votaram contra o aumento só os ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Rosa Weber e a presidente Cármen Lúcia. Os outros sete preferiram reforçar os contracheq­ues. Será possível cortar outros gastos da Corte, disse o ministro Dias Toffoli – que sucederá a Cármen Lúcia na presidênci­a do STF –, sem explicar por que essas despesas dispensáve­is são mantidas. Segundo Lewandowsk­i, o impacto do aumento será menor que o valor desviado e já devolvido à Petrobrás. É um ângulo interessan­te para a discussão do assunto.

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