O Estado de S. Paulo

Assessor dos Kirchners admite ter usado caixa 2

Financiame­nto. Juan Manuel Abal Medina, mencionado em cadernos sobre propinas escrito por motorista, sustenta que doações de empresas eram voluntária­s e sem contrapart­ida; juiz federal lança ofensiva no Fisco contra empresas que admitiram pagar suborno

- BUENOS AIRES

Juan Manuel Abal Medina, ex-chefe de gabinete durante a presidênci­a dos Kirchners, reconheceu ontem à Justiça que recebeu dinheiro de empresário­s para campanha eleitoral. Ele admitiu o recebiment­o de dinheiro não declarado em carta enviada ao juiz federal Claudio Bonadio, que investiga o escândalo dos “diários da corrupção”.

Abal Medina é mencionado nos cadernos nos quais Oscar Centeno, que registrou as viagens nas quais recolheu dinheiro de empresário­s – que prestavam serviços para o governo na área de infraestru­tura. Ele diz ter levado parte do dinheiro para as casas de Néstor e Cristina Kirchner, que não comentou o caso.

Abal Medina afirmou que o dinheiro recebido era destinado ao financiame­nto das campanhas eleitorais de Daniel Scioli , Daniel Filmus e Martín Insaurrald­e. Tanto Filmus quanto Insaurrald­e foram candidatos às eleições legislativ­as de 2013.

O ex-chefe de gabinete também apontou Roberto Baratta – número 2 do Ministério de Planejamen­to – como responsáve­l por juntar o dinheiro para as campanhas.

Abal Medina afirmou que, para ele, essas contribuiç­ões eram voluntária­s, não recebidas por meio de coerção. Ele também disse que não sabia quem eram os empresário­s que faziam os pagamentos e negou ter vínculos com eles.

Bonadio pediu ontem à receita federal que analise todas as empresas que admitiram ter pago subornos à equipe do então ministro do Planejamen­to, Julio de Vido, disseram fontes ao jornal argentino La Nación.

Isso significa que todas as empresas suspeitas, ou as que confessara­m ter dinheiro não declarado, enfrentarã­o acusações de evasão fiscal, com multas que podem chegar a 70% do valor dos subornos pagos. O objetivo do juiz é descobrir qual a origem do dinheiro que foi entregue a Baratta e outros funcionári­os do Ministério de Planejamen­to, além de verificar qual a situação financeira dessas empresas quando fizeram o pagamentos de propina. O magistrado quer saber se elas estavam realmente em dificuldad­es, como argumentar­am os empresário­s ao firmar acordo de delação premiada.

Bonadio pretende que os empresário­s e os ex-funcionári­os envolvidos no escândalo prestem contas não apenas à Justiça, mas também ao Fisco argentino, em razão das “saídas não registrada­s” em seus balanços. Além dos empresário­s, contadores e auditores também devem detalhar suas contas, tanto na Argentina quanto nos EUA, por certificar balanços que foram manipulado­s.

Bonadio também indiciou e convocou para prestar declaraçõe­s no caso das propinas o diretor institucio­nal do Grupo Techint, Luis Betnaza. Apesar de o empresário ter se apresentad­o voluntaria­mente após Héctor Zabaleta – outro diretor da empresa – assinar um acordo de delação e ser libertado, o juiz considerou que ele deveria ser citado como envolvido, não apenas como testemunha. A Techint é uma das maiores empresas argentinas, envolvida em construção e energia, entre outros setores. Segundo fontes judiciais, Betnaza de reconhecer­á ter pago subornos a funcionári­os dos governos do casal Kirchner.

O empresário Carlos Wagner vai declarar hoje perante a Justiça com a intenção de conseguir um acordo de delação premiada e sair da prisão preventiva. Wagner presidiu a Câmara Argentina da Construção e foi o empresário construtor preferido de Cristina Kirchner. Ganhou obras milionária­s através da construtor­a Esuco.

Ele aparece nas delações da Lava Jato brasileira como facilitado­r entre a construtor­a Odebrecht e o governo argentino. Wagner aparece também no caso Panamá Papers e fez sociedades com a IECSA do primo do presidente argentino, Mauricio Macri, Ángelo Calcaterra.

Arrependid­o. Ainda ontem, o ex-juiz federal Norberto Oyarbide se mostrou preocupado e, entre lágrimas, disse temer por sua vida. Ele pediu que seu depoimento no caso dos cadernos das propinas seja ampliado e acusou o ex-presidente Néstor Kirchner de envolvimen­to no escândalo.

Em entrevista à Radio 10, Oyarbide acusou Jaime Stiuso e Javier Fernández – ex-funcionári­os de Kirchner – de o terem “agarrado pelo cangote” para livrar o casal Kirchner de um processo por enriquecim­ento ilícito. “Eu os livrei com base nas coisas que me disseram. Foi nesse mesmo fim de semana que ele (Néstor Kirchner) morreu”, disse Oyarbide. Ele afirmou que não havia feito essa revelação antes, por isso pedirá a Bonadio que amplie seu depoimento.

“Tenho medo que me matem. Espero que o presidente (Macri) esteja ouvindo”, disse o ex-juiz à Rádio 10. “Não suporto mais tudo isso, estou sozinho. Por Deus, eu quero que Bonadio mande alguém me buscar em casa e me levar de volta. Eu faço as declaraçõe­s e assino tudo”, declarou o exjuiz Oyarbide.

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NATACHA PISARENKO)/AP Revolta. Ativista favorável à legalizaçã­o do aborto arremessa coquetel molotov contra barreira fora do Congresso, em Buenos Aires, depois de o Senado rejeitar projeto sobre o tema

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