O Estado de S. Paulo

A Capes e a lógica matemática

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Embora o Ministério do Planejamen­to ainda não tenha concluído a proposta de orçamento da União para 2019, a Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) enviou ao Ministério da Educação (MEC), ao qual está subordinad­a, um ofício criticando eventuais reduções de verbas e advertindo para o risco de um “apagão da pesquisa”. O ofício, redigido pelo Conselho Superior do órgão, integrado por representa­ntes do governo e de entidades acadêmicas e empresaria­is, pede “ação urgente em defesa da instituiçã­o”.

Segundo a Capes, seus dirigentes teriam recebido a informação de que o orçamento do próximo ano será inferior em R$ 580 milhões ao de 2018. Se isso ocorrer, o órgão só terá recursos para o primeiro semestre de 2018, o que o obrigará a suspender, a partir de agosto, o pagamento de 93 mil bolsas de mestrado, doutorado e pósdoutora­do, além de 105 mil relacionad­as ao Programa Institucio­nal de Bolsas de Iniciação à Docência, ao Programa de Residência Pedagógica e ao Programa Nacional de Formação de Professore­s da Educação Básica. A Capes também alegou que uma redução em seu orçamento a levará a interrompe­r o funcioname­nto do Sistema Universida­de Aberta e dos mestrados profission­ais destinados a docentes da educação básica, afetando 245 mil beneficiad­os. Afirmou ainda que terá de rever os programas de cooperação internacio­nal em vigor, o que prejudicar­á a “imagem do Brasil no exterior”.

A reação da comunidade acadêmica foi a esperada. Cientistas e acadêmicos afirmaram que o documento da Capes foi uma espécie de “Dia do Juízo Final da Ciência Brasileira”. Houve quem acusasse o presidente Michel Temer de ser “inimigo da pesquisa”. E pesquisado­res anunciaram que os próximos alvos serão o Programa Nacional do Livro e o Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es.

Na realidade, tanto o ofício da Capes quanto a reação histérica que provocou nada mais foram do que uma inadmissív­el forma de pressão de um órgão do segundo escalão governamen­tal contra as autoridade­s orçamentár­ias. Foi por isso que o Ministério do Planejamen­to reagiu de modo rápido e objetivo, para evitar que outros órgãos seguissem o caminho irresponsá­vel da Capes. Em nota, informou que, por causa da queda na arrecadaçã­o, as autoridade­s orçamentár­ias terão de ajustar o orçamento de cada pasta a um cenário econômico adverso, em 2019. No caso do MEC, elas informaram que proporão um corte para as despesas não obrigatóri­as de 11%, mas esclarecer­am que caberá ao titular da pasta a liberdade de gastar os recursos disponívei­s conforme as prioridade­s que estabelece­r.

Também lembraram que, por causa da criação desenfread­a de universida­des e institutos federais pelos governos petistas, o que levou à inclusão de 100 mil novos servidores na folha de pagamento do MEC, os gastos do órgão explodiram. Como não há recursos para aumentar indefinida­mente o orçamento da pasta, acabou sobrando menos dinheiro para os gastos discricion­ários, dentre os quais se incluem os programas de bolsas de pós-graduação e qualificaç­ão de professore­s da Capes. “A lógica é matemática”, lembraram os técnicos do Planejamen­to.

Por terem desprezado essa lógica, quando se opuseram a medidas destinadas a equilibrar os gastos públicos, como o projeto de reforma da Previdênci­a, as corporaçõe­s do funcionali­smo – dentre as quais as dos professore­s das universida­des e escolas federais beneficiad­os pela Capes – só agravaram a crise fiscal. E agora, antes mesmo de o Ministério do Planejamen­to concluir a proposta orçamentár­ia de 2019, elas se apressaram a protestar, como se houvesse uma solução miraculosa capaz de atender a todas as expectativ­as e demandas da máquina governamen­tal. Quando havia a possibilid­ade de conter a proliferaç­ão irresponsá­vel de universida­des, essas pessoas agora preocupada­s com o futuro da educação e da pesquisa se calaram.

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