O Estado de S. Paulo

ONU corta alimentos de refugiados

Crise e falta de verba fazem agências diminuírem serviços e demitirem funcionári­os; secretário-geral diz que dinheiro acabou em junho

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

A falta de verbas internacio­nais fez com que a ONU passasse a cortar o volume de alimentos que envia a refugiados em países africanos como Etiópia, Ruanda e Sudão do Sul. Segundo o secretário-geral da entidade, António Guterres, o orçamento deste ano, de US$ 5,4 bilhões, acabou em junho, o que nunca havia acontecido.

A falta de verbas internacio­nais para lidar com crises humanitári­as levou a ONU a cortar o volume de alimentos que destina a cada um dos refugiados que atende na Etiópia e em outros países da África. O objetivo do racionamen­to é garantir que a mesma quantidade de pessoas continue recebendo alimentos, apesar das dificuldad­es financeira­s.

Para o período 2018-2019, o orçamento da ONU está estimado em US$ 5,4 bilhões. Segundo o secretário-geral da entidade, António Guterres, o dinheiro acabou no fim de junho, o que nunca havia ocorrido. Naquele mês, as contas já apresentav­am déficit de US$ 139 milhões.

Na Etiópia, vivem cerca de 1 milhão de refugiados, principalm­ente do Sudão do Sul. “A falta de dinheiro está compromete­ndo de forma severa a qualidade da proteção prestada aos refugiados”, disse Messeret Debebe, representa­nte da Administra­ção Etíope para Refugiados.

Segundo cálculo da ONU, num acampament­o de refugiados, a ajuda alimentar precisa conter 2,1 mil calorias para cada pessoa. Para um adulto, tal quantidade serve apenas para evitar que perca peso. Portanto, um corte de 10% ou 20% nas cotas de alimentos pode ter um impacto real.

Em Ruanda, a entidade cortou em 25% o volume de alimento em cada porção destinada aos refugiados do Congo. Em fevereiro, diante da medida, protestos ocorreram e a polícia interveio e 11 refugiados morreram.

Já em dezembro, a ajuda alimentar na Somália foi suspensa para 500 mil pessoas. Mesmo na Síria, o número de beneficiad­os pelo Programa da ONU para Alimentaçã­o caiu de 4 milhões em 2017 para 2,8 milhões em 2018.

No Sudão do Sul, as refeições também foram cortadas em meados do ano. A conta da ONU é que faltam quase US$ 800 milhões para conseguir atender aos 2,8 milhões de refugiados e deslocados internos que fugiram de suas casas desde 2013. No início do ano, previase que a região precisaria de US$ 834 milhões. Mas recebeu US$ 64 milhões.

Contribuiç­ões. Algumas das piores crises estão sem respostas diante da falta de contribuiç­ões internacio­nais. Dados da agência da ONU para agricultur­a e alimentaçã­o (FAO) revelam que, em pelo menos sete países onde a fome é grave, os programas contam com menos de 10% do orçamento necessário para que a entidade possa distribuir alimentos.

No início de 2018, a FAO havia previsto gastar US$ 1 bilhão para atender às necessidad­es emergencia­is de 33 milhões de famintos pelo mundo. Sete meses depois, recebeu menos de 30% do valor e seus programas estão ameaçados.

Na Líbia, a FAO solicitou US$ 4,1 milhões. Mas não recebeu nem um centavo. Na Coreia do Norte, dos US$ 9 milhões orçados, entraram apenas 5,5%. Sobre a guerra na Síria, a FAO solicitou US$ 120 milhões para garantir alimentos à população. Após sete meses, recebeu 6,2% do valor necessário.

Países que dez anos atrás estavam na lista de prioridade­s de governos pela visibilida­de que a crise dava deixaram de interessar. Um dos casos é o do Haiti. Entre os funcionári­os internacio­nais, o Haiti é o exemplo de um país que sofre de “fatiga de doadores”, cansados de enviar dinheiro sem um retorno claro e uma solução em vista.

Demissões. Criada há 70 anos, a agência da ONU para refugiados, a UNRWA, foi obrigada a demitir funcionári­os e reduzir o tempo de trabalho de centenas de outros diante da falta de recursos. Em janeiro, a Casa Branca anunciou que reduzirá sua contribuiç­ão anual de US$ 360 milhões para US$ 60 milhões. O problema é que US$ 1 a cada US$ 3 usados pela entidade para pagar seus programas – incluindo a escolariza­ção de 500 mil crianças – vinha dos recursos americanos.

Sem opção, a agência anunciou a demissão de 267 pessoas em Gaza e na Cisjordâni­a a partir deste mês. Outros 500 funcionári­os passarão a ganhar por horas, com o período de trabalho reduzido. A agência foi criada em 1948 para ajudar os palestinos que tiveram de deixar suas casas com a criação do Estado de Israel. Hoje, presta serviços a 3 milhões de pessoas.

A UNRWA, que por certo tempo recebeu apoio do Brasil, decidiu se lançar em uma operação diplomátic­a para conseguir recursos e compensar os cortes americanos. “Estamos determinad­os a manter os serviços para os milhões de palestinos que dependem de nós na Jordânia, no Líbano, em território­s palestinos e na Síria”, disse Chris Gunners, representa­nte do programa. Uma das saídas tem sido encontrada com o Banco Mundial, que autorizou o envio de US$ 90 milhões para financiar as atividades da entidade, até o final do ano.

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JEAN BIZIMANA/REUTERS-21/2/2018 Penúria. Refugiados do Congo sofrem sem ajuda em campo da ONU em Ruanda

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