O Estado de S. Paulo

‘Precisamos tratar bem os acionistas’

Para Schvartsma­n, mineradora precisa ser mais previsível para dar mais segurança a quem comprar ações

- Renata Batista Mônica Ciarelli Mônica Scaramuzzo

Empresa viveu euforia com período de alta no preço dos minérios, mas depois sofreu com a piora do cenário, avalia presidente. Plano agora é reduzir ritmo de investimen­tos e remunerar melhor os acionistas.

Depois de um desembolso bilionário de quase US$ 15 bilhões para erguer o maior projeto de mineração integrado com ferrovia do mundo, a Vale, líder global do setor, vai adotar uma estratégia menos agressiva de investimen­tos no curto prazo. O foco principal agora é tratar bem o mercado financeiro, remunerand­o melhor os acionistas, disse Fabio Schvartsma­n, presidente da companhia, ao Estadão/Broadcast. Afetada pela pior crise de sua história – o rompimento das barragens da Samarco, em Mariana (MG), no fim de 2015 –, a gigante brasileira, sócia na empresa com a australian­a BHP, tenta retomar a operação no local. Schvartsma­n afirmou que tudo vai ser reconstruí­do.

Quais são os planos de expansão da Vale?

A Vale vive um momento especial, que é a combinação de um cenário global excelente do minério de ferro e uma oportunida­de futura para desenvolve­r a área de metais básicos. A volatilida­de dos preços do minério diminuiu. A Vale já está bem posicionad­a em matéria-prima de alta qualidade, com o projeto de Carajás (S11D).

Diante desse cenário, quais serão os futuros investimen­tos?

Antes de responder a esta questão, temos de lembrar que a Vale concluiu um grande investimen­to. Vamos limitar a nossa produção anual a 400 milhões de toneladas de minério. Nossa capacidade é de 450 milhões. Essa reserva será usada se os preços do minério voltarem a subir. A Vale viveu o superciclo. Mas, no fim do dia, foi um desastre para as empresas.

A Vale cogitou a aquisição da Xtrata durante o superciclo...

Não só a (anglo-suíça) Xtrata, mas a (canadense) Alcan. Fizemos a aquisição da Inco, de níquel e cobre (no Canadá). A Vale entrou sem se dar conta de que não entendia nada do assunto. Minério de ferro é um negócio de logística. Escala é importante.

Mas a Vale ainda sofre pressão para comprar ativos?

Mudanças a gente faz logo que entra. A principal que fiz (o executivo assumiu em maio de 2017) não foi só a do prédio (da sede da Vale), mas de governança. A única maneira de conseguir tornar a empresa melhor é que ela não esteja sujeita a pressões inadequada­s.

• Quais seus planos para a Vale, consideran­do as dificuldad­es de obter licenças?

Acreditamo­s que, neste momento, é muito importante tratar bem o mercado acionário. Vamos pagar dividendos polpudos a partir de uma política agressiva que já rendeu US$ 2 bilhões aos acionistas (já aprovada), que veio para ficar. Além disso, separamos US$ 1 bilhão para recomprar ações da Vale.

Por que esse movimento?

Queremos dar segurança e previsibil­idade para quem comprar as ações. A Vale tem de ser mais previsível.

Mas não era assim antes?

A Vale prometeu demais e entregou de menos. Essa é a diferença. Temos de ser transparen­tes e a governança é importante. Sem a figura de um controlado­r (que deixou de existir com a reestrutur­ação societária em 2017), a influência de um terceiro fica muito menor. Aqui não tem mais controlado­r. Quem decide é um conjunto de acionistas.

O que a empresa tinha prometido e não entregou, por exemplo?

A Vale teve um período de euforia com o superciclo, quando todos os minérios atingiram preços estratosfé­ricos. Só que depois da euforia veio a depressão (dos preços). A Vale tentou prometer que iria entregar resultado, mas como o cenário continuou ruim, não entregou. Tem de prometer em cima de fatos.

Como se faz isso?

Criando valor ao negócio, como fizemos. Temos um tipo de minério, que já é referência, baseado na mistura de matéria-prima de baixa qualidade com a de alta qualidade. Já produzimos cerca de 100 milhões de toneladas desse minério, de um total de 400 milhões de toneladas da nossa produção.

As vendas de ativos foram concluídas?

Sim. Depois da governança, foi um dos nossos melhores programas. Ajudou a reduzir a dívida pela metade nos últimos 12 meses, de cerca de US$ 22 bilhões para US$ 11 bilhões. Resultado de uma combinação de desinvesti­mento e melhoria das operações.

E os novos investimen­tos?

A estimativa é de US$ 8 bilhões entre 2019 e 2020. A Vale só fará investimen­tos onde tiver retorno. Não iremos diversific­ar no curto prazo. Agora é fazer cresciment­o orgânico e pequenas aquisições que façam sentido aos nossos projetos. Vamos desenvolve­r projetos em níquel e cobre, por exemplo.

Fora do País?

Não. Nossas reservas estão basicament­e no Brasil, que é o grande mercado da Vale.

Por isso voltou a fazer campanha de marketing?

A Vale é uma empresa extremamen­te importante para o Brasil. E o Brasil extremamen­te importante para a Vale, especialme­nte em Minas Gerais, Pará, Espírito Santo e Maranhão, onde está o grosso das nossas operações. A diretoria da Vale entende que é obrigação da companhia cuidar bem das comunidade­s do entorno. A Vale sempre fez bem o que ela se compromete­u a fazer. Só que queremos ir além.

Mas há uma crise de imagem após o acidente da Samarco...

A Fundação Renova (Samarco, Vale e BHP) tem feito um trabalho excelente. (A Renova) abriu mão do direito de defesa. Foi um desastre. Ninguém fez isso de caso pensado. Um acordo (com Ministério Público Federal e outras autoridade­s) foi fechado, mas o processo é lento. Temos o compromiss­o de reparar tudo.

Será o seu legado recuperar essa imagem?

Prefiro dizer que quero que a Vale se torne referência de sustentabi­lidade no Brasil e no mundo. Que haja claríssima recuperaçã­o de valor na companhia. Quanto mais valiosa a Vale, melhor para seus acionistas e empregados e para o País.

As incertezas eleitorais preocupam a Vale?

Em primeiro lugar, a Vale vai ter de trabalhar com qualquer governo, independen­temente de quem for eleito. Tudo o que a Vale faz depende de concessões. Portanto, tem relação com o governo. Não há a menor dúvida. E tem de ser uma relação natural.

 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO - 22/8/2018 ?? Tragédia de Mariana. Schvartsma­n diz que empresa tem ‘compromiss­o de reparar tudo’
FABIO MOTTA/ESTADÃO - 22/8/2018 Tragédia de Mariana. Schvartsma­n diz que empresa tem ‘compromiss­o de reparar tudo’

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